Daniel Halfen, advogado
Vou fazer do time do Brasil minha reflexão da semana. Os jogadores partiram, estrearam mal e, sob pressão, venceram a Costa Rica. O Brasil ainda vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: “O Brasil não vai nem se classificar!” ou “o Brasil não merece classificar” ou “tô nem aí… e a crise do país…”
Aqui, eu pergunto:
Não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado ou a negação de um “mea culpa” com essa apontada triste realidade?
Eis a verdade, amigos: desde os 7 X 1 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo.
A derrota frente aos implacáveis e evoluídos alemães, na última batalha da Copa, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar.
Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 7 x 1.
Custa crer que um simples jogo de futebol possa causar uma dor tão grande. O tempo passou em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há quatro anos, que, a toques de bola, Kroos arrancou, de nós, o título e o orgulho.
Eu disse “arrancou”, como poderia dizer “extraiu” de nós o título, como se fosse um dente.
Hoje, se negamos Neymar e equipe, não tenhamos dúvida: é ainda a frustração de 2014, e suas maracutaias de antes, durante e depois, que funciona como negação e revolta.
Gostaríamos talvez de acreditar na seleção e no país. Mas o que nos trava é o seguinte: o pânico de uma nova, reiterada e irremediável vergonha. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança e pensamento positivo.
Só imagino uma coisa: se o Brasil vence na Rússia, se volta hexacampeão do mundo!
Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 200 milhões de brasileiros iam acabar no hospício, menos aqueles que em tudo vêem capítulos do “golpe” e aqueles que moram em Miami e sonham com o Green Card.
Mas vejamos: a seleção brasileira tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, “não”. Mas eis a verdade: eu acredito no brasileiro, e, pior do que isso, sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo, um black bloc de chuteiras.
Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os ex-fabulosos espanhóis, que apanharam, aqui, da Laranja Mecânica que sequer classificou-se à Copa.
Pois bem: não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se em Messi e Cristiano Ronaldo. Eu contra-argumento com um Neymar, um Felipe Coutinho, um Marcelo, um Jesus… nada menos do que o menino Jesus.
A pura, a santa verdade é a seguinte: qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça e confiança, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção.
Neymar, gostem ou não, tem o DNA de um Mané Garrincha, é cria de Dener e Robinho.
Em suma: temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades: a bipolaridade.
Quero aludir aos extremos que eu poderia chamar de “Complexo de Vira-latas”, de um lado, e “Fé Cega”, de outro. Estou a imaginar o espanto do leitor: “O que vem a ser isso?” Eu explico.
Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem.
Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima. Praticamos um exercício contínuo de autodepreciação. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol.
Ainda que sejamos Pentacampeões e tenhamos o time mais valorizado do mundo, dizer que, na Copa da Rússia, nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade.
No outro extremo, no Mineirão, por que perdemos? Por que, diante do organizado time alemão, alto e louro, a equipe brasileira, de um lado, ganiu de desorganização, de outro, de fé cega. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo.
Não eramos piores do que o adversário. Além disso, levávamos a vantagem de jogar em casa. Pois bem: perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: porque entramos despreparados, desorganizados e acreditando em velhas fórmulas. Depois do primeiro gol, tudo ruiu, qualquer indício de autoestima e confiança acabou e os alemães nos trataram como se vira-latas fôssemos.
Eu vos digo: o problema do Brasil não é o futebol, e o problema da seleção não é de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente.
Nos dois casos é um problema de autoestima, de razão, de separar as coisas e cada um fazer sua parte na exata medida de sua capacidade e ajudar o outro para que o todo funcione. De não agir como vira-latas e não acreditar que todo brasileiro é um vira-latas.
O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas, que não está condenado a ser uma eterna decepção e que tem futebol e país para mostrar ao mundo, e lá na Terra dos Czares e dos Bolcheviques. Uma vez que ele se convença disso, ponham-no para correr em campo, ponham-no para cobrar nossas autoridades, ponham-no para votar corretamente, cada coisa no seu tempo e lugar devidos e ele não será o eterno “país do futuro”.
Evidente que essa crônica não é de minha autoria. Não tenho talento ou genialidade para tal.
Adaptei para os dias atuais – mal e porcamente confesso – a famosa crônica “Complexo de Vira-latas”, de Nelson Rodrigues, antes da estréia brasileira na Copa de 58.
Espero, apenas, contribuir para uma reflexão sobre tudo que temos lido e ouvido nos últimos dias, em especial nas redes sociais.
Minha opinião já externei: nas redes sociais o brasileiro se mostra um eterno vira-latas com mania de patrulhamento e doses de esnobismo pequeno burguês.
É simples.
Aquilo que você diz, pejorativa ou cruelmente sobre os outros, apenas revela quem você é.
Que cada um faça sua parte, faça o que gosta, assista ou não a Copa e seja feliz.
Seja o Neymar ideal da sua vida… na cara da urna… faça um golaço… não engane ninguém (nem a si mesmo) e não se limite a reclamar dos outros e do juiz.