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Opinião

“O melhor da vida acontece off-line”

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Eu não pretendia voltar ao tema. Já escrevi muito sobre ele, em forma de sátira; hoje em dia, me parece inútil. Se eu volto é porque ontem ouvi estas palavras num restaurante:

“Pelotas só será uma cidade emancipada quando rigorosamente todas as pessoas superarem a estranha mania de achar que, para ‘ser alguém na vida’, é fundamental aparecer regularmente em coluna social, mesmo que por motivos excepcionalmente distintos, como ter passado uma temporada em Punta”.

Gostei de ouvir, pois, em parte, é como eu vejo a coisa de que ele falou.

Não pense que eu não tenha autocrítica, viu! Eu tenho e é muita.

Por exemplo, às vezes acho que problematizo demais a vida. Fico pensando que não nasci pra ser feliz, mas sim para outra função, como se eu fosse um daqueles androides do filme Blade Runner, criados por engenharia genética para cumprir funções servis à manutenção da vida, com tempo de existência pessoal limitado conforme os interesses dos que “nos” criaram para sua própria satisfação.

Nesse caso, eu seria um daqueles androides do filme que se rebelam contra quem os criou porque não aceitam morrer sem ter tempo de encontrar uma justificativa para sua existência.

Não pense também que, num dos meus momentos de fraqueza, eu refute a mim e me anuncie “uma pessoa feliz”, pessoalmente ou pelo facebook.

Sempre que me perguntam isso (se sou feliz?) eu desconfio da inteligência de quem me pergunta.

Pensa comigo, não é babaca demais alguém indagar “és feliz?”?

A vontade que eu tenho é de perguntar de volta de que planeta a pessoa é, se passou no Teste do Pezinho ou se tudo não passa apenas de cretinice pura e simples.

Não acredite totalmente nos meus sorrisos nas fotos que posto nas redes sociais. Se as publico é para me sentir menos estranho aos meus semelhantes.

A propósito, outro dia li no instagram a seguinte mensagem:

“O melhor da vida acontece off-line”.

É tão íntimo e pessoal o sentido de felicidade, que sempre me soa vulgar a exposição pública ostensiva desses nossos momentos.

É assim, a meu ver, porque a verdadeira felicidade, fugidia, só se verifica na espontaneidade; em outras palavras, na ausência da consciência pessoal.

A felicidade só ilumina o ambiente quando nós não a percebemos, apenas a sentimos.

Quando alguém se posiciona para ter a felicidade fotografada, esta se perde e vai embora.

Por isso o fato de eu acreditar que não existe isso de “uma pessoa feliz”, ao menos nunca 100%. Uma pessoa é dotada de uma complexidade muito grande para que seja feliz, entende?

Não curto colunas sociais, por isso. Porque tudo nelas me alcança como farsa – a representação de um ideal impossível, pelo próprio fato desse ideal ser levado ostensivamente a público, como se felicidade fosse um produto de estoque.

Eu nunca contei todos os dentes deles para ter certeza porque a unanimidade dos sorrisos me basta.

Uma pessoa verdadeiramente chique é discreta. E, sendo discreta, é automaticamente chique porque, sendo assim, em vez de se circunscrever aos limites de um pastiche, a pessoa se expande, atraindo para si mil curiosidades engendradas em geral por pessoas interessantes de quem, no dia-a-dia, nem mesmo nos damos conta da existência.

E não nos damos conta delas porque estamos sempre ocupados em ser felizes a todo instante, a qualquer custo, sem nos permitir sequer deixar entreaberta uma mínima fresta para que o outro nos enxergue ao menos um pouco do mesmo modo que nos enxergamos no espelho, com todas as nossas variedades, que incluem mágoas, conflitos, rugas e tudo o mais de ruim e bom que nos compõe, por mais que lutemos para esconder nossa totalidade.

Rubens Amador. Jornalista. Editor do Amigos de Pelotas. Ex funcionário do Senado Federal, MEC e Correio Braziliense. Pai do Vitor. Fã de livros, de cinema. E de Liberdade.

1 Comment

1 Comments

  1. Antonio

    23/09/18 at 10:11

    Se todos os snobs de Pelotas fossem morar em “Punta” a cidade seria bem melhor. 🙂

Brasil e mundo

Felicidade de “segunda”, não dá mais

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Concordo com Alexandre de Moraes: antes das redes sociais, nós éramos felizes e não sabíamos. Mas éramos felizes no sentido de que uma pessoa ignorante podia ser. Hoje a farsa não convence tão fácil. As vozes se tornaram muito mais plurais, o que é positivo para a sociedade.

A tecnologia levou a percepção de felicidade a um patamar mais elevado. Aumentou a exigência. Ninguém mais se contenta com meias verdades.

Voltar no tempo é impossível, apesar dos esforços nesse sentido. O próprio Lula não entendeu isso, por isso está perdendo popularidade. Perdeu poder de persuasão. Ele e qualquer outro governante.

A própria velha imprensa perdeu poder de persuasão. Está todo mundo vendo o rei nu. Vendo e avisando a este da nudez, em voz alta. A corte toda, que inclui a velha imprensa, está nua. Ouvindo que está nua, mas se fingindo de surda.

A tecnologia muda os comportamentos. Os avanços tecnológicos provocam essas destruições criativas. Assim como foi o canhão que permitiu Napoleão, a internet e as redes sociais estão forjando um cidadão menos distraído, mais atento e engajado. Uma democracia muito mais participativa.

O mundo mudou.

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Opinião

De fato, Pelotas “mudou”

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Às vezes encontro com pessoas que estão voltando a morar em Pelotas. É comum comentarem isso: “Pelotas mudou. Havia uma vibração visível. Tinha uma intelectualidade… hoje não tem mais. O Sete de Abril, mesmo, está fechado… há 14, 13 anos… é isso mesmo?”.

Aqui vão sete coisas que parecem ter mudado a vida em Pelotas. Nem pra pior nem pra melhor. Apenas a vida mudou.

1. Condomínios fechados: as pessoas se preocupam mais com o condomínio do que com o passeio público. Com sua vida em seus espaços fechados ou, se abertos, integrados, como o Parque Una.

2. Alunos da UFPel vêm de fora por causa do Enem. Vão embora nas férias e no fim do curso. Não são daqui. Não chegam a formar um elo emocional forte com a cidade.

3. Professores da UFPel vêm de fora.

4. A cidade se espalhou.

5. A população está envelhecendo.

6. Digitalização da vida, com trabalho remoto.

7. Globalização, compras pela internet, streaming.

O mundo mudou.

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