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Opinião

A vida que a gente leva é menos do que a gente merece

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Já ouviste falar do cineasta David Lean? Se não teve a sorte de cruzar o caminho dele, desejo que cruze. De coração. É esse senhor aí, bem acompanhado.

O inglês já não vive nesse mundo. Mas, discreto, à moda de seu país, deixou um legado para as humanidades. É autor do clássico cinemão. Mas que cinemão! Já ouviste falar, claro, de filmes como Lawrence da Arábia, Dr. Jivago, A Ponte do Rio Kwai. Foi ele quem rodou. São mágicos. Nada dessa mesquinharia do cotidiano.

Verdadeiro Lawrence

Os protagonistas dessas obras têm uma característica comum, a grandeza de seus gestos. Eu me maravilho quando os revejo, porque é um tributo à VIDA que merecemos. Arrisco sempre, sem o medo de errar, um raciocínio para a grandeza de verniz épico dos filmes de Lean. Acredito que elas têm aquela marca porque o cineasta acentua e excede a oposição dos protagonistas aos incitamentos naturais. Sempre no primeiro plano dos filmes, o protagonista é um homem solitário entre outros, imerso em mundo só seu, impulsionado por uma vontade de ferro em contraposição a panoramas extensos, hostis e imprevisíveis.

Bravura

Em Lawrence da Arábia, vemos L., o militar inglês que na Primeira Guerra se converte à causa árabe, bater-se consigo mesmo em meio à vastidão do deserto árabe, ao ponto de se insurgir contra os interesses de seu povo, os ingleses, em favor de outro povo, os árabes beduínos. Um homem com um sonho tão GRANDE quanto o Nefude, mas que, afinal, é vencido pela geopolítica interesseira dos ingleses.

Resiliência

Já em Dr. Jivago, J. se bate consigo mesmo em meio a descampados de estepes nevadas e à revolta comunista. Ao contrário de L., cuja vontade de ferro é para a guerra, as armas de J. não são a adaga ou o revólver, mas a autodeterminação. Ele aceita a insurreição vermelha como um fenômeno natural, mesmo perdendo privilégios de classe. Ainda assim, se recusa a abrir mão de sua singularidade como indivíduo, opondo-se à massificação do comunismo.

Orgulho

Em A Ponte do Rio Kwai, o coronel Nicholson se bate consigo mesmo em meio às adversidades selvagens da guerra, na condição de prisioneiro. Líder dos soldados ingleses feitos cativos pelos japoneses, N. vê uma chance de erguer o moral de seus homens quando recebe a ordem do inimigo para construir uma ponte ferroviária sobre o rio Kwai, na Tailândia. A arma de Nicholson foi a servidão voluntária em nome da dignidade.

Os três personagens acima são mágicos e míticos porque persistiram em suas vontades e determinações, apesar de todo o desconforto e as hostilidades, como ocorreu com Ulysses em sua Odisseia de volta à terra de seu nascimento, Ítaca.

Epílogos

No fim do filme, LAWRENCE, após a façanha de liderar a campanha dos árabes sobre os turcos, se sente traído pelo governo inglês, que, em vez de promover a integração árabe numa só nação, como era seu sonho, prefere dividir o território em vários países, para não concentrar o poder sobre o petróleo e não perder força nas negociações comerciais.

No fim, JIVAGO se manteve firme em sua singularidade apesar de sua resignação social e política. Mas seu coração parou de bater no meio da rua, antes que pudesse reencontrar Lara, o amor perdido de sua vida em meio à revolução.

No fim, NICHOLSON, depois de construir a ponte, elevando o moral da tropa prisioneira com esse artifício, testemunhou a destruição do que fora construído com tão alto significado. Foi uma implosão, detonada por um pelotão de ingleses que veio para salvar os colegas dos japoneses que os mantinham cativos. Para salvá-los, foi inevitável destruir sem saber o que os aliados haviam construído com o propósito de manter a fé da tropa.

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Nos três filmes há uma ambiguidade de vitória e derrota, com subsequência desta.

A GRANDEZA das obras de Lean vêm da mistura de obstinação pessoal, condições adversas e triunfos inúteis. Da compreensão da impossibilidade de recompensa que faça justiça proporcional ao esforço. Dela emerge, contudo, uma percepção de beleza e sublimação, que é a vida resistindo por algo maior que as necessidades elementares: comer, beber, acasalar e manter a conta bancária no azul.

Outros personagens de histórias imortais vivem a mesma condição central dos personagens citados. Acrescento SANTIAGO, o pescador de O Velho e o Mar.

Sozinho em seu barquinho em alto-mar, à procura de um grande peixe, o velho persiste em seu objetivo até fisgar um Marlin, com o qual passa a uma longa batalha em linha, que atravessa dias e noites. Com as mãos sangrando, captura o enorme peixe e o amarra ao barco. Na viagem de volta, porém, o Marlin acaba devorado por tubarões. Santiago luta com os tubarões, batendo neles com um remo, mas não consegue impedir a devora.

Sacrifício

Para SANTIAGO, desprezado na aldeiazinha de pescadores por ser velho e não conseguir pescar um peixe havia tempo (sinal de má sorte), assim como aconteceu a Lawrence, Jivago e Nicholson, em termos práticos, a vida não retribuiu na mesma medida o sacrifício ou a restituição simplesmente não veio. Mas a beleza está justamente aí: por estranho que pareça, a vida fica mais sublime quando o esforço é em vão.

Todos esses personagens nos dizem que o homem só transcende quando se OPÕE aos incitamentos em nome de algo maior que si. Mesmo que se materialize apenas em percepção superior da beleza, triunfo maior do fracasso que se esforçou, como o esqueleto do Marlin amarrado ao barco de Santiago, abandonado ao sabor das ondas e do Sol, numa prainha deserta, depois de ele ter realizado em alto-mar uma façanha que só Deus viu.

* Acrescente ao relato o som de gaitas escocesas e tudo ficará bem.

Rubens Amador. Jornalista. Editor do Amigos de Pelotas. Ex funcionário do Senado Federal, MEC e Correio Braziliense. Pai do Vitor. Fã de livros, de cinema. E de Liberdade.

Brasil e mundo

Felicidade de “segunda”, não dá mais

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Concordo com Alexandre de Moraes: antes das redes sociais, nós éramos felizes e não sabíamos. Mas éramos felizes no sentido de que uma pessoa ignorante podia ser. Hoje a farsa não convence tão fácil. As vozes se tornaram muito mais plurais, o que é positivo para a sociedade.

A tecnologia levou a percepção de felicidade a um patamar mais elevado. Aumentou a exigência. Ninguém mais se contenta com meias verdades.

Voltar no tempo é impossível, apesar dos esforços nesse sentido. O próprio Lula não entendeu isso, por isso está perdendo popularidade. Perdeu poder de persuasão. Ele e qualquer outro governante.

A própria velha imprensa perdeu poder de persuasão. Está todo mundo vendo o rei nu. Vendo e avisando a este da nudez, em voz alta. A corte toda, que inclui a velha imprensa, está nua. Ouvindo que está nua, mas se fingindo de surda.

A tecnologia muda os comportamentos. Os avanços tecnológicos provocam essas destruições criativas. Assim como foi o canhão que permitiu Napoleão, a internet e as redes sociais estão forjando um cidadão menos distraído, mais atento e engajado. Uma democracia muito mais participativa.

O mundo mudou.

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Opinião

De fato, Pelotas “mudou”

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Às vezes encontro com pessoas que estão voltando a morar em Pelotas. É comum comentarem isso: “Pelotas mudou. Havia uma vibração visível. Tinha uma intelectualidade… hoje não tem mais. O Sete de Abril, mesmo, está fechado… há 14, 13 anos… é isso mesmo?”.

Aqui vão sete coisas que parecem ter mudado a vida em Pelotas. Nem pra pior nem pra melhor. Apenas a vida mudou.

1. Condomínios fechados: as pessoas se preocupam mais com o condomínio do que com o passeio público. Com sua vida em seus espaços fechados ou, se abertos, integrados, como o Parque Una.

2. Alunos da UFPel vêm de fora por causa do Enem. Vão embora nas férias e no fim do curso. Não são daqui. Não chegam a formar um elo emocional forte com a cidade.

3. Professores da UFPel vêm de fora.

4. A cidade se espalhou.

5. A população está envelhecendo.

6. Digitalização da vida, com trabalho remoto.

7. Globalização, compras pela internet, streaming.

O mundo mudou.

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