
Sérgio Rockenbach, advogado |
É notória a crescente demanda pela opção do transporte aéreo nos últimos anos. Em contrapartida, os problemas decorrentes de prestação de serviços deficientes caminham na mesma proporção. Raro é o passageiro que nunca passou por alguma situação desconfortável ocasionada pelas companhias aéreas. Não é necessário ir muito além do tempo. Recentemente, a Avianca entrou em recuperação judicial, causando diversos transtornos e prejuízos aos seus clientes.
Bem por isso, entender como a justiça tem lidado com os problemas provenientes do transporte aéreo, é essencial para assegurar os direitos lesados, e até mesmo preveni-los.
Diante deste contexto, de plano, observa-se que a relação jurídica obrigacional formalizada entre passageiro e companhia aérea, é tipicamente consumerista, ou seja, consumidor e fornecedor, respectivamente. Conforme o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, a responsabilidade civil nestes casos é objetiva, a qual independe de demonstração de culpa.
Inicialmente, aborda-se, talvez, uma das situações mais recorrentes neste tema, qual seja, o atraso de voo.
A responsabilização da companhia aérea nestes casos, está mais ligada ao seu comportamento perante o passageiro, do que o próprio fato que ocasionou o atraso do voo. Isso porque as empresas estão sujeitas aos horários e itinerários previstos, sendo que, diante de algum fortuito, ainda que externo, sua obrigação é amparar em terra o consumidor, prestando toda informação e assistência necessária à mitigação dos transtornos causados.
Caso haja negligência da companhia aérea, ainda que não seja culpada pelo atraso em si, será responsável pelos danos morais causados. A título de exemplo, em um caso analisado pela justiça, foi detectado um buraco na pista, situação que interferiu o tráfego aéreo, de forma justificada. No entanto, na ocasião, a empresa não prestou a assistência adequada ao passageiro, e assim foi condenada ao ressarcimento dos danos morais experimentados (Acórdão nº 986128/DF).
Outrossim, quando a empresa aérea presta a devida assistência ao passageiro, amenizando os desgastes decorrentes do atraso de voo, por decorrência de caso fortuito ou força maior, não há o dever de indenização por danos morais.
Observa-se que o caso fortuito ou força maior são excludentes de responsabilidade nas relações de consumo, porém, a sua aplicação irá depender se prestada a assistência devida pela companhia aérea.
Em viagens internacionais, o transporte de pessoas, bagagens e cargas efetuado por aeronaves, se sujeita a Convenção de Montreal, que em seu artigo 19, em se tratando de atraso, estabelece que “o transportador é responsável pelo dano ocasionado por atrasos no transporte aéreo de passageiros, bagagem ou carga”.
Por sua vez, o artigo 22 do referido diploma legal, trata de limites desta responsabilidade, prevendo em seu item 1 que “em caso de dano causado por atraso no transporte de pessoas, como se especifica no art. 19, a responsabilidade do transportador se limita a 4.150 Direitos Especiais de Saque (DES) por passageiro”. O DES se trata de uma unidade monetária de referência, definida pelo Fundo Monetário Internacional, prevista no art. 23 da convenção. Atualmente, 1 DES equivale a R$ 5,19, e, desta forma, o teto por passageiro totaliza a quantia de R$ 21.538,50.
O Supremo Tribunal Federal, no RE 636.331/RJ, já fixou a tese de que as normas e tratados internacionais têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. No entanto, em razão da compatibilidade, não se torna necessário, nem razoável, o afastamento da legislação consumerista.
Entretanto, cabe observar que, em se tratando de extravio de bagagem em voos internacionais, a limitação à indenização prevista em Convenções (Varsóvia e Montreal) abrange somente os danos materiais, sendo que os referidos diplomas não preveem normas limitadoras de responsabilidade pelos danos morais.
Ainda, o entendimento dos tribunais é no sentido que, mesmo diante de um extravio temporário de bagagem em viagem internacional, existe a obrigação de reparar os danos morais causados, uma vez que o passageiro, ao ficar privado de seus pertences pessoais, sofre frustração e angústia que ultrapassam a esfera do mero dissabor e respaldam a responsabilização da companhia aérea.
Com relação ao cancelamento de voo, a companhia aérea é responsável pelo dano moral causado ao passageiro, principalmente em caso de demora no fornecimento de novo voo e/ou ausência de informações e suporte durante a espera para embarque.
O entendimento dos tribunais caminham no mesmo sentido com o observado no atraso de voo, ou seja, ainda que ocorra alguma situação que configura caso fortuito ou força maior, as quais seriam excludentes da responsabilidade, tendo a companhia aérea negligenciado a assistência devida aos passageiros, deverá ser condenada ao ressarcimento dos danos morais.
Com o intuito de ampliar os seus serviços, as empresas aéreas se utilizam de uma figura denominada de codeshare, a qual se trata de uma forma de compartilhamento de voo, em que as companhias firmam um acordo empresarial entre si, disponibilizando passagens para destinos que são operados pela empresa parceira , dividindo a comercialização dos assentos.
Nesta modalidade de prestação de serviço de compartilhamento de voo, as empresas parceiras respondem solidária e objetivamente pelos danos morais causados aos passageiros em casos de cancelamento, atraso, interrupção ou preterição de trecho ou conexão.
Outra situação que configura a obrigação de indenizar, é o impedimento desmotivado de embarque, caracterizando falha na prestação de serviço e descumprindo o contrato de transporte. O entendimento é no sentido que o evento danoso frustra a expectativa de quem programou viagem para lazer ou trabalho, ultrapassando o mero dissabor e violando a tranquilidade e a integridade psíquica do passageiro.
Importante destacar que nas relações de consumo é essencial ao consumidor a informação adequada e clara sobre produtos e serviços, previsão do art. 6°, inciso III da Lei n. 8.078/90. Assim, surgem algumas situações decorrentes da falha de comunicação.
Uma delas, diz respeito ao impedimento de passageiro em despachar mala extra mediante pagamento das respectivas taxas. Neste caso, se não houve comunicação prévia, clara e expressa da companhia aérea sobre as restrições para bagagens, configura dano moral e deve ser indenizado.
Por outro lado, se as normas e as restrições referentes às bagagens despachadas estão acessíveis aos consumidores, a empresa aérea não será responsabilizada ao não permitir o pretendido despacho de bagagem extra.
Por fim, não raras vezes, o passageiro se depara prejudicado pela prática do overbooking, o qual se trata da venda de passagens em número superior aos assentos disponíveis na aeronave. Neste caso, por ser considerada atitude abusiva, violando diretamente os princípios que embasam as relações de consumo, a empresa aérea responde pela reparação de danos em razão do abalo psicológico sofrido pelo consumidor.
Obviamente, o rol de problemas enfrentados pelo passageiro não se esgota com o presente artigo, sendo estes apenas alguns dos mais recorrentes ao usuário do transporte aéreo. Portanto, ao se sentir lesado, o consumidor deve procurar imediatamente a orientação de um advogado para análise do caso em concreto.