Na tarde de 28 de outubro, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em julgamento de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, firmou entendimento no sentido de que o parcelamento de vencimentos dos servidores públicos não configura “dano moral presumido”.
Confira-se a tese vencedora:
“Atrasar ou parcelar vencimentos, soldos, proventos ou pensões de servidores públicos ativos, inativos e pensionistas por si só não caracteriza dano moral aferível in re ipsa.”
Significa dizer que o atraso/parcelamento, por si só, não basta à responsabilização civil do ente público respectivo. De modo que, para que isso venha a ocorrer, será necessário demonstrar judicialmente a ocorrência de (outro) efetivo prejuízo.
Referida decisão impactará negativamente a imensa maioria dos processos judiciais em andamento e aqueles que eventualmente vierem a ser ajuizados. Os servidores não blindados por categoria com orçamento próprio, isto é, que dependem exclusivamente da gestão política (e ineficaz) dos recursos públicos, permanecerão indefinidamente sujeitos à inadimplência contumaz.
Chama-se a atenção do leitor para o importante papel do Poder Judiciário e o impacto de suas decisões na conduta do gestor público. Ora, que consequência terá o Estado ao não pagar os seus servidores? Por que, então, deveria preocupar-se em fazê-lo?
O mesmo se aplica às condenações cujo pagamento está sujeito ao regime de precatórios. Nas esferas Estadual e Municipal, há quem morra – literalmente – sem receber o que lhe é de direito. E isso nos conduz a uma segunda questão: se gestão atual não será afetada pelo passivo judicial, que incentivo terá em regularizar a situação que o causou? A longo prazo, será mesmo a melhor forma de equilibrar as contas públicas?
De qualquer sorte, no contexto local, o Município de Pelotas só tem a comemorar. A mensagem do Tribunal de Justiça Gaúcho é clara: atrasem, parcelem ou deixem de pagar, pois nada acontecerá.
Foi surpreendente, e até chocante, ver a prefeita Paula Mascarenhas tentando na prática dar um terreno valioso do Município para a Associação Rural. Ela quer dar de mão beijada uma área da prefeitura do tamanho de 25 campos de futebol profissional (25 hectares), para que seja comercializada. Quer ceder a terceiros uma gleba pública, e daquelas dimensões, como se fosse propriedade sua.
O juiz Bento Barros não concordou com a transação. Mandou parar tudo e, em seu despacho, ainda mandou uns recados indiretos à prefeita. Mencionou a crise financeira da prefeitura e relembrou a ela da possibilidade legal de que venda (por licitação) o terreno que a Rural pretende comercializar, o que, no caso em questão, seria o lógico e esperado de um gestor atento ao interesse público.
O terreno, em valor estimado ao redor de R$ 100 milhões, teria por finalidade um vultoso empreendimento imobiliário na Rural —não um fim social, como o originalmente previsto na cessão da área. Um negócio que, se consumado, seria típico do Brasil, possível graças à mão caridosa e amiga do Estado. Pior é que o projeto de lei do Executivo autorizando a transação já tinha passado numa comissão da Câmara. Vereadores, que no papel são fiscais do interesse público, estão apoiando…
SABE LÁ DO QUE SE TRATA ISSO?
Há milhões de motivos para preocupações.
Ainda falta muito para o Brasil ser uns Estados Unidos, onde o empreendedorismo é tão admirado pelos nossos liberais. Se é que seria possível uma empreitada semelhante.
Samuel (Samuel Theis) é encontrado morto na neve do lado de fora do chalé isolado onde morava com sua esposa Sandra (Sandra Hüller), uma escritora alemã, e seu filho Daniel (Milo Machado Graner), de 11 anos, com deficiência visual. A investigação conclui se tratar de uma “morte suspeita”, pois é impossível saber ao certo se ele tirou a própria vida ou se foi assassinado. Sandra é indiciada e acompanhamos seu julgamento que expõe o relacionamento do casal. Entre o julgamento e a vida familiar, as dúvidas pesam sobre a relação da mãe com seu filho.
Com um começo instigante, Anatomia de uma Queda coloca dúvidas na cabeça do espectador: Samuel caiu acidentalmente do chalé ou cometeu suicídio? Ou será que foi empurrado por Sandra? Ao longo de 2h e meia, o filme desenvolve sua narrativa sem pressa e de forma complexa, focada nos diálogos. A primeira parte explora a investigação e a reconstituição da morte de Samuel, enquanto que na segunda temos o julgamento, com Sandra suspeita e acusada do assassinato do marido, tendo que provar sua inocência com ajuda de Maître Vincent Renzi (Swann Arlaud).
A diretora Justine Triet acerta em cheio ao trabalhar com diferentes versões, sem nunca apresentar uma verdade definitiva e nem respostas prontas. O roteiro de Triet e Arthur Harari, seu marido na vida real, foi uma colaboração perfeita ao explorar a intimidade do casal e a relação, muitas vezes abusiva, entre eles.
Em uma das grandes atuações do ano, Sandra Hüller tem uma performance poderosa. Falando em inglês, com dificuldade em francês e sem poder falar em sua língua materna, ela passa por todas as nuances de sua personagem e, ao lado do jovem Milo Machado Graner, conferem à narrativa uma profundidade impressionante.
Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes e forte candidato ao Oscar, Anatomia de uma Queda é um angustiante estudo de personagens que desvenda as complexidades das relações humanas.