Connect with us

Opinião

O Rio Grande no brete

Publicado

on

Em uma passagem do romance “O sol também se levanta” (1926), de Ernest Hemingway, o personagem Bill Gordon pergunta a Mike Campbell, um escocês que perdeu toda a sua fortuna:

– Como você foi à falência?

– De duas formas: gradualmente e, então, repentinamente.

Isto ilustra mais ou menos como nosso Estado foi à falência. Não quebramos ontem, mas por uma sucessão de governos irresponsáveis.

Ao longo de décadas, o Rio Grande se tornou um Estado burocrático, perdulário e ineficiente. A crise das contas públicas está no noticiário há muito tempo, e a faceta mais visível desse drama é o caos dos serviços públicos, que prejudica justamente os mais pobres.

          Buraco cavado por décadas

Curioso, e lamentável, é que muitos de nós não percebemos a dimensão da crise.

Provavelmente parte dos gaúchos não faz ideia do tamanho do buraco em que nos encontramos. Mais provável ainda é que a maior parte não desconfia que (quase) todos somos responsáveis pela insolvência das contas públicas que ameaça paralisar o Estado.

Nas contas do Balanço Geral do Estado de 2018 (pág. 80), a dívida do Rio Grande do Sul com a União chegava a R$ 65 bilhões. Somando-se os demais passivos – que inclui precatórios, saques no Caixa Único, depósitos judiciais, débitos com fornecedores, etc. – o tamanho do buraco é R$ 135 bilhões, o equivalente a 3,5 vezes a receita corrente líquida anual, a qual gira em torno de R$ 40 bilhões – quase toda comprometida com gastos de pessoal.

           A realidade rasgou a fantasia

O mais grave é que não chegamos aqui por conta de um único mandatário irresponsável. Foram 48 anos de governadores (e parlamentares) perdulários, eleitos democraticamente, que contribuíram para este brete em que nos metemos.

Não se trata de fazer revisionismo histórico. Desvelar nosso desastre fiscal é encarar nossas escolhas, eleição após eleição.

É encarar o caixa depauperado do Estado, que aniquila nossa capacidade de investir no que realmente importa – saúde, educação e segurança – e perceber que continuamos errando. É constatar que, em 2018, mais uma vez optamos pelo caminho da ilusão.

O atual governador, bem como a maior parte dos candidatos, vendeu a quimera de que o gravíssimo problema fiscal gaúcho seria resolvido apenas com “melhor gestão do fluxo de caixa”. Já os candidatos que foram honestos com os eleitores disseram que não haveria dinheiro para dar fim ao parcelamento de salários no curto prazo – e, em parte por isto, perderam o pleito.

A escolha para o Piratini, como todas as anteriores, foi legítima. Mas, mais uma vez, a realidade rasgou a fantasia.

Passado quase um ano do novo governo, os salários continuam atrasados e nossa capacidade de investimento aproxima-se de zero. Uma das alternativas, habilitar-se ao RRF (Regime de Recuperação Fiscal) do Governo Federal, permanece distante.

Para aderir de imediato ao RRF, o Estado precisaria privatizar bens de valor substancial, como o Banrisul e a Corsan. Novamente, o ilusionismo. Na campanha, o vencedor disse que isto era desnecessário. A maior parte dos eleitores acreditou.

           Boçorocas não surgem do nada

As boçorocas não surgem de repente, do nada. São necessários anos de negligência para que se formem aqueles buracos que destroem as propriedades rurais.

O mesmo ocorreu com as contas públicas. Ao longo de sucessivos mandatos, governadores distribuíram benesses e reajustes inconsequentes ao funcionalismo e sem se preocupar em como garantir a sustentabilidade do erário. Sempre com a chancela dos deputados e o beneplácito, quando não a imposição, do Judiciário.

Servidores se aposentam cedo, com vencimento integral e paridade com servidores da ativa. Ou seja, podem passar mais tempo na inatividade remunerada do que na repartição, recebem o último salário da ativa e garantem reajustes tais quais os destinados aos ativos.

Não podia dar certo. Não deu certo.

         Perdido no brete

Infelizmente, chegamos a um ponto do brete onde não se vislumbra um futuro animador. Uma das causas é a ausência de legitimidade do governador que ora ocupa o Piratini.

O mandatário perdeu a razão, como se diz popularmente, ao falsear durante a campanha eleitoral. Vendeu a ilusão de que seria fácil resolver a barafunda gaúcha. Mentiu.

Agora, com apenas um ano de mandato, ziguezagueia buscando soluções paliativas, como foi a tentativa frustrada e equivocada de venda de ações do Banrisul. Resta-nos um governador sem credibilidade política, pois trapaceou com os eleitores.

Se ele acerta ao propor uma indispensável reforma administrativa, erra na forma, pois poupa o andar de cima do funcionalismo, imune a crises da maioria que habita os andares de baixo. Deveria começar com um mea culpa, admitindo que estava errado – ou que mentiu.

         Dizendo a verdade

Por fim, para não incorrer na mentira, restauro a verdade histórica. Escrevi, no começo deste artigo, que há 48 anos os mandatários aumentam as despesas para além das receitas.

Houve uma exceção. Entre 2007 e 2010, a governadora Yeda Crusius aplicou a receita adequada: disciplina fiscal e austeridade com o dinheiro arrecadado. Interrompeu um ciclo de 37 anos de déficits continuados, com 3 anos sucessivos de superávits.

Como legado, foi a única que, em mais de 40 anos, entregou ao sucessor um caixa com as contas em ordem. Secretário de Planejamento à época e, antes, no Tesouro Estadual, tive a honra de ajudar a aplicar a receita de sucesso, a mesma que propus durante o pleito de 2018. Sempre falando a verdade.

Mateus Bandeira é conselheiro de administração e consultor de empresas. Foi CEO da Falconi, presidente do Banrisul e secretário de Planejamento e Gestão do Rio Grande do Sul.

Clique para comentar

Cultura e entretenimento

Napoleão, o filme, é belo de ver, mas tem montagem confusa. Por Déborah Schmidt

Com duas horas e meia, já foi anunciado um corte do diretor com 4 horas de duração que será exibido no streaming, o que explica os cortes na edição

Publicado

on

Napoleão passa por diferentes décadas da vida de Napoleão Bonaparte (Joaquin Phoenix), na turbulenta França após o fim da monarquia. Sua rápida e implacável ascensão a imperador é vista através de seu conturbado relacionamento com Josephine (Vanessa Kirby), sua esposa e verdadeiro amor.

Vindo do nada como um oficial de artilharia do exército francês durante a Revolução Francesa, o filme retrata sua jornada, até ser derrotado e exilado na ilha de Santa Helena. O longa retrata diversos momentos históricos, como a decapitação de Maria Antonieta até a invasão do Egito, quando permitiu que seus exércitos utilizassem as pirâmides de Giza como alvo para treino de pontaria.

Dirigido por Ridley Scott, responsável por produções inesquecíveis ao longo de quase 50 anos de carreira como Alien – O 8° Passageiro (1979), Blade Runner: O Caçador de Androides (1982), um dos meus filmes favoritos, Thelma & Louise (1991), Gladiador (2000), O Gângster (2007), Perdido em Marte (2015), O Último Duelo (2021) e muitos outros. O diretor constrói épicos como poucos, com grandiosas e impressionantes cenas de batalha. Em Napoleão, a ascensão e queda de Bonaparte nos altos escalões do governo francês é intercalada por importantes conflitos como o cerco de Toulon, as invasões à Rússia e a investida contra os ingleses em Waterloo.

O roteiro de David Scarpa traz um protagonista nostálgico, constantemente avaliador da própria vida, narrador de cartas sentimentais e dependente emocionalmente da esposa. Tecnicamente excelente, a fotografia de Dariusz Wolski aposta em sequências que enfatizam paisagens belíssimas e no vermelho-sangue das batalhas. Porém, o filme dilui as competentes cenas de ação em uma montagem confusa, que apresenta a vida de Napoleão de forma apressada e sem o devido contexto.

Com duas horas e meia, já foi anunciado um corte do diretor com 4 horas de duração que será exibido no streaming, o que explica os cortes na edição. Aliás, a trama foi bastante criticada no que diz respeito aos dados históricos retratados no filme, no entanto, a precisão histórica não pareceu uma preocupação para Ridley Scott. Prefiro deixar essa questão para os historiadores, meu assunto aqui é apenas o cinema.

Entre glória e fracasso, Joaquin Phoenix apresenta um homem falho e humano, que, entre estratégias brilhantes contra britânicos e russos, encontrou na esposa o relacionamento que assombrou sua vida. Afinal, o fato de Josephine não conseguir lhe dar um filho, um símbolo da continuidade de um império, desempenhou um papel fundamental na relação entre os dois. A química entre Phoenix e Vanessa Kirby é perfeita, com a atriz roubando a cena e sendo um dos grandes destaques da produção.

“França, exército e Josephine”, foram as últimas palavras proferidas por Napoleão Bonaparte antes de morrer. Possivelmente, as únicas três coisas que amou na vida. O filme faz questão de trazer essa passagem ao término de Napoleão, resumindo a produção nessas três palavras.

Em cartaz, Napoleão retrata o líder e estrategista militar com um olhar nostálgico e humanizado e, portanto, com falhas. Um épico que merece ser visto, preferencialmente, no cinema.

Continue Reading

Opinião

Decisão surpreendente a da prefeita!

Publicado

on

Foi surpreendente, e até chocante, ver a prefeita Paula Mascarenhas tentando na prática dar um terreno valioso do Município para a Associação Rural. Ela quer dar de mão beijada uma área da prefeitura do tamanho de 25 campos de futebol profissional (25 hectares), para que seja comercializada. Quer ceder a terceiros uma gleba pública, e daquelas dimensões, como se fosse propriedade sua.

O juiz Bento Barros não concordou com a transação. Mandou parar tudo e, em seu despacho, ainda mandou uns recados indiretos à prefeita. Mencionou a crise financeira da prefeitura e relembrou a ela da possibilidade legal de que venda (por licitação) o terreno que a Rural pretende comercializar, o que, no caso em questão, seria o lógico e esperado de um gestor atento ao interesse público.

A área toda da Rural foi doada pelo Município à Associação em 1959. Mas a lei de doação contém uma cláusula de salvaguarda.

O juiz Bento explica:

“A legislação estabelece que a sociedade beneficiária (Associação Rural) não poderia alienar o imóvel ou parte dele em nenhum momento, sob pena de caducidade da doação e retorno do imóvel, juntamente com todas as benfeitorias existentes, ao patrimônio do Município de Pelotas. Portanto, até o momento, o direito de dispor e reaver o imóvel é do Município de Pelotas, integrando o seu patrimônio.”

O terreno, em valor estimado ao redor de R$ 100 milhões, teria por finalidade um vultoso empreendimento imobiliário na Rural — não um fim social, como o originalmente previsto na cessão da área. Trata-se de um negócio que, se consumado, seria típico do Brasil, possível graças à mão caridosa e amiga do Estado. Pior é que o projeto de lei do Executivo autorizando a transação já tinha passado numa comissão da Câmara. Vereadores, que no papel são fiscais do interesse público, estão apoiando.

SABE LÁ DO QUE SE TRATA ISSO?

Há milhões de motivos para preocupações.

Ainda falta muito para o Brasil ser uns Estados Unidos, onde o empreendedorismo é tão admirado pelos nossos liberais. Se é que seria possível uma empreitada semelhante.

Continue Reading

Em alta