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Cultura e entretenimento

O MISTÉRIO DA TRISTEZA

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Já na infância, me acontecia com frequência o que, por falta de vocabulário, eu chamava de “a onda.” Vinha sem aviso, me inundava e me arrastava a um abismo de onde eu não via como escapar. “A onda “era imprevisível. E aterradora.

Eu encontrava conforto num dos volumes d”O mundo da criança”, mais especificamente na fotografia do que hoje sei tratar-se de um depósito de gás, esférico, de cujo topo emergia uma escadinha helicoidal. Meu sonho infantil não era ser médico, como meu tio, ou advogado, como meu pai – mas encontrar aquela escada e escapar do mundo. Para estar a salvo da “onda”.

Me ensinaram a ler, e li compulsivamente. Nos livros, encontrei onde me proteger do desamparo. Ninguém se deu conta dos sinais– o isolamento, a falta de amigos, de energia (pais sempre têm mais com o que se ocupar, professores têm provas a corrigir). O sofrimento era mudo, incomunicável. Invisível.

Na adolescência, conheci a canção de Paulo César Pinheiro e Dori Caymmi: “Era uma criança tão singela / só que Deus pôs dentro dela / o mistério da tristeza”. Ainda sem conhecer a palavra “depressão” – e ainda acreditando em Deus – me vi ali, e passei a recorrer a “o mistério da tristeza” quando queria tentar me explicar o inexplicável, entender o ininteligível.

Não aprendi, até hoje, a conviver com a depressão, mas a sobreviver a ela. Descobri que não é incompatível com as responsabilidades que assumi, com o humor que cultivo. Intuí que tem cura – só é preciso corrigir a química cerebral para entender como funciona a linha de montagem dessa angústia aguda e prolongada, mas não infinita. Me permiti conversar com a ideia de suicídio, com o alívio de saber que, se tudo o mais falhasse, sempre haveria a escadinha helicoidal para me pôr a salvo das ondas e tristezas cuja origem era um mistério.

Tornei-me atento aos gatilhos da engrenagem que faz “a onda” se erguer. E aos presságios que antecedem a tsunami: irritabilidade, insônia crônica, sonolência incessante, apatia. O mundo perder a graça, extinguirem-se o apetite, o tesão.

A cada setembro, aparecem os laços amarelos da campanha de prevenção ao suicídio. E me ocorre que a melhor prevenção seja desmitificar essa palavra, desatá-la do seu estigma. E acolher sem julgamento. Compreender que depressão não é falta de fé ou de força. Que não é preciso estar prostrado ou descuidado da higiene para merecer apoio – o mal costuma estar silencioso, encoberto. Que além da morte física, há a psíquica. Que nada substitui a compaixão, essa intangível capacidade de sentir o que outro sente.

A depressão é uma doença à qual ninguém é invulnerável. Por traços genéticos ou pelas circunstâncias, somos todos suscetíveis ao seu assédio. Ela é a principal causa do suicídio, mas quem tem depressão não quer morrer: quer se livrar da dor. E pode chegar o momento em que dor e vida se confundam de tal forma que a vida se torne o preço a pagar para que cesse o sofrimento.

Não há romantização possível para o suicídio, seja ele o desespero de quem se atira do edifício ou o ato longamente amadurecido de deixar autorizada a ortotanásia no testamento vital. Tampouco deve ser tabu. É preciso falar dele, ouvir a voz dos que sucumbiram, como Robin Williams e toda a sociedade dos poetas suicidas – Sá-Carneiro, Sylvia Plath, Torquato Neto, Florbela Espanca, Ana Cristina César. Pensar que talvez seu desconsolo não fosse uma sina, que o desfecho que deram à sua dor não era inevitável.

Não, não sou depressivo. A depressão não me define. Ela me afeta, me limita. Me obriga a estar atento aos gatilhos, a buscar (e aceitar) ajuda. Confere um peso à minha vida, que é compensado com um olhar mais leve, irônico, de quem sabe que viver só faz sentido enquanto valer a pena. Que a qualquer momento uma onda pode vir e levar tudo, e que a felicidade – assim como a tristeza sem fundo, esse demônio do meio-dia – nunca vai deixar de ser um mistério.

Setembro pode ser um bom momento para exercitar a parresia, a coragem da fala franca e da escuta verdadeira. Falar abertamente sobre as emoções; permitir-se ouvir. E estreitar os laços oferecidos pelo setembroamarelo.org.br.

Eduardo Affonso é colunista de O Globo e, a pedido nosso, autorizou o compartilhamento, aqui, de seus posts no facebook.

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Cultura e entretenimento

UnaMúsica inicia temporada com show da Gafieira do Clube

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O projeto UnaMúsica inicia sua temporada 2024 com show da Gafieira do Clube nesta quinta-feira, dia 18, às 18h. A apresentação será ao ar livre, no Anfiteatro do Parque Una e coincide com a abertura da Semana Nacional do Choro em Pelotas.

O evento, que ocorrerá de 18 a 27 de abril, celebra o  10º aniversário do Clube do Choro de Pelotas e o reconhecimento pelo Iphan do Choro como Patrimônio Cultural do Brasil. Durante o período, diversas atividades acontecerão em diferentes locais da cidade.

UnaMúsica

O UnaMúsica surgiu em 2020 com a intenção de valorizar a produção musical local ao promover shows de diferentes estilos no Anfiteatro do Parque Una. Porém, devido à pandemia de Covid-19, o projeto foi reestruturado e, dos cinco shows selecionados para aquela temporada, quatro foram realizados de forma virtual. Em 2022, o plano original foi retomado e a última apresentação foi realizada presencialmente.

Tendo o espaço público do Parque Una como cenário, o projeto retorna em 2024, buscando  levar boa música aos moradores e visitantes do bairro.

Gafieira do Clube

O projeto Gafieira do Clube reúne instrumentistas participantes do Clube do Choro e foi concebido com base nas tradicionais bandas de gafieiras do Rio de Janeiro que se destacavam em casas noturnas renomadas, como as estudantinas, oferecendo um repertório especialmente elaborado para a dança, com arranjos de músicas populares e composições instrumentais.

Apresentando uma formação moderna que combina os instrumentos do choro com nuances jazzísticas, incluindo contrabaixo, bateria e instrumentos de sopro, a Gafieira do Clube surge com o propósito de proporcionar uma experiência musical instrumental mais vibrante e envolvente, mesclando os ritmos do choro, maxixe, samba e outros, para o deleite dos apreciadores da música brasileira.

Participam do projeto: Rafael Velloso (sax), Rui Madruga (violão 7 cordas), Fabrício Moura (violão de 6 cordas/cavaquinho), Pedro Nogueira (cavaquinho solo), Paulinho Martins (bandolim), Gil Soares (flauta), Paulo Lima(contrabaixo) e Everton Maciel (percussão).

O QUÊ: Projeto UnaMùsica 2024 – Show Gafieira do Clube

QUANDO: Dia 18 de abril, às 18 horas

ONDE: Anfiteatro do Parque Una

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Cultura e entretenimento

Livro desconcertante esse: Por que nós morremos

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Pelo que diz, a cada geração nossos corpos são simplesmente barcos para facilitar a propagação de nossos genes, e eles se tornam dispensáveis tão logo cumprem sua missão. A morte de um animal ou pessoa seria apenas a morte desse barco.

Seríamos apenas cascos dos nossos genes. Máquinas de sobrevivência dos genes. Nosso cérebro seria um gerente de filial encarregado de tomar decisões delegadas pelos genes. Trocar uma lâmpada da vitrine, organizar a equipe de vendedores, trocar mercadorias com defeito.

Sendo assim, toda a nossa vida seriam truques dos genes pra sobrevivermos, nos colocarmos no grupo social pra sobreviver, e procriar e passar os genes adiante. Só isso. 🤪

Será?

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