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Brasil e mundo

“Quarta onda: a morte das lojas de rua”. Por Fabiano de Marco

“Cada ponto comercial é uma sala de aula formando microempreendedores, e cada compra local, um ato social de fortalecimento da economia interna. O fato é que este até então Melhor Estilo de Vida foi atingido por quatro ondas fortes e está morrendo”

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Fabiano de Marco / empreendedor, sócio na Idealiza Verticais

Um endereço ideal pressupõe conveniência, atender as necessidades básicas de produtos e serviços com uma simples caminhada. O café da manhã na base do prédio, o “vou ali na farmácia”, o puxar o carrinho abarrotado de frutas, o descer do prédio no sábado para cortar o cabelo, o levar o pet na praça da esquina. A saúde de uma cidade passa pela frequência de pessoas caminhando em espaços públicos, com senso de comunidade, sensação de segurança, civilidade e capacidade de consumo para as necessidades básicas, e a loja – no passeio – é um estímulo vital a este chamado Ballet das Ruas.

Cada ponto comercial é uma sala de aula formando microempreendedores, e cada compra local, um ato social de fortalecimento da economia interna. O fato é que este até então Melhor Estilo de Vida foi atingido por quatro ondas fortes e está morrendo.

Loja de rua fechada após sucessão de ondas

A primeira onda decorreu da dificuldade do estado de prover um ambiente público (que nada mais é do que a calçada no entorno da porta da loja de rua) de limpeza, iluminação, mobiliário urbano, paisagismo, jardinagem e presença de segurança com poder de polícia. Esta ineficiência, recorrente e duradoura, preparou o ambiente para a segunda onda: os shopping centers.

Shopping, a segunda onda

Hoje responsáveis por 1/3 do consumo total brasileiro, esses espaços privados de acesso público oferecem justamente o que o espaço público deixou de oferecer: segurança, mobiliário urbano, acessibilidade, comunicação eficiente, ordem no aparato publicitário, regras urbanísticas e mais fomento de atividades culturais e de entretenimento para a sociedade.

Este movimento no mercado de varejo (os shoppings) reconfigurou a função dos polos de rua, que passaram a atender um consumidor de baixo poder aquisitivo. A morfologia das cidades brasileiras passou a ser esta: ar condicionado, mármore e cinema para o consumo na classe média e loja de rua em ambiente degradado para o cidadão-consumidor de menor renda.

E-commerce, a terceira onda

Veio então a terceira onda, gigantesca, uma hecatombe que atingiu ao mesmo tempo a loja de rua e os shoppings, na mesma intensidade. Estoques de produtos sem fim, por menor preço, a uma distância menor que uma caminhada: o e-commerce, que oferece melhor preço do que a loja de rua e maior comodidade do que o shopping center. Muitos negócios simplesmente desapareceram, suplantados pela eficiência tecnológica, com lojistas de rua e de shopping, simultaneamente, sendo substituídos diariamente pelas compras online.

Veio então a quarta onda: a pandemia da covid-19. Boquiabertos, os microempreendedores foram impactados pelo fechamento compulsório dos negócios por razões sanitárias. Rolando meu feed de notícias durante a quarentena, notei, perplexo, o enorme número de pessoas que ainda considera o lojista de rua que luta para manter as portas abertas um capitalista que só pensa no lucro, em detrimento da saúde das pessoas, quando, na verdade, sua atividade é a própria saúde dos ambientes urbanos.

A formação de um polo de rua, a meu ver, é como um delicado tecido vivo da natureza. Leva anos para se formar e é extremamente sensível a mudanças climáticas. Fechar a loja de rua em plena terceira onda (e-commerce) ou na quarta (pandemia), sem nenhuma campanha de revigoramento do comércio local, sem nenhum regramento que facilite a organização e articulação dos lojistas em polos de rua, sem nenhum refresco no IPTU de 2021 ou dos encargos incidentes sobre a folha de pagamento, é uma incompreensão absoluta, sobretudo dos gestores que se dizem sensíveis às questões sociais, porque a saúde da loja de rua é vital para uma cidade saudável.

Culturas mais desenvolvidas, como a inglesa e a americana, perceberam há muito a delicadeza da situação, e, reconhecendo que a deterioração dos polos de rua é foco gerador de problema social, vêm implementando em escala os chamados TCM (Town Center Management) e BID (Business Improvement Districts), que nada mais são do que iniciativas no rumo da revitalização dos espaços de rua e da harmonia entre os lojistas e os poderes públicos, que passam a compartilhar a gestão.

É passada a hora de enxergarmos o comércio local como uma espécie rara, em extinção, e dedicar a ele todos os cuidados que merecem as espécies ameaçadas.

Ressurreição da loja de rua é possível: o homem segue analógico

Não importa o quanto erremos: a ressurreição das lojas de rua será sempre possível, porque o homem continuará sendo um ser social analógico. Por isto, ainda há esperança na capacidade destes lojistas de se reinventarem com atividades omnichannel, integrados aos e-commerces e proporcionando uma conjunção de rua viva, eficiência logística e gestão compartilhada entre o público e o privado.

5 Comments

5 Comments

  1. Pingback: Quarta onda: a morte das lojas de rua - Caos Planejado

  2. Ivomar

    08/01/21 at 14:02

    Excelente texto!

  3. Leandro Gomes E Silva

    31/12/20 at 20:13

    Parabéns ao Fabiano, excelente ponto de vista, teoria comprovada no Parque Una.

  4. Maria da Graça Pinto Ferreira

    31/12/20 at 15:39

    Textto impecável do Fabiano! Abordou com precisão os aspectos econômicos, sociológicos, psicológicos da questão do atual momento que atravessa o comércio, notadamente o de rua. E o quanto a política, que deveria fazer a sua parte colaborando ativamente para o sucesso deste negócio fundamental para a cidade, não o faz.

  5. oecunningham

    30/12/20 at 17:39

    excelente texto! parabéns Fabiano

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UFPel entregou título de Dr. Honoris Causa a Mujica

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Discretamente, na sexta passada, a direção da UFPel viajou ao Uruguai para entregar a Pepe Mujica o título de Doutor Honoris Causa. A notícia foi divulgada ontem, terça, no site da Universidade.

Algumas frase dos dirigentes universitários presentes à homenagem, às vezes em tom juvenil:

“Pepe é um grande exemplo de pessoa que consegue lutar por direitos humanos, justiça social e democracia. Resistiu bravamente aos movimentos da ditadura e, como um jardineiro, sempre plantou a esperança, a luta e a vontade dessa luta em cada companheiro. Ele planta hoje a esperança para os nossos jovens”.

“Muito obrigada por ser quem é, muito obrigada por nos inspirar a defender a educação como uma forma mais poderosa de semear o futuro”.

“A visão humanista de Mujica ressoa profundamente com os ideais que nós da Universidade Federal aspiramos cultivar, nossa instituição sempre se pautou na crença de que a educação é a base para uma sociedade mais justa e igualitária, as bandeiras defendidas por Mujica colocam o bem-estar humano e a preservação do planeta acima do materialismo e do consumo desmedido e enlouquecedor, inspiram nossos esforços e reafirmam o nosso compromisso com a busca por dias melhores”.

***

Cmt meu: Mujica é de fato um homem incomum. Coerente. Vive modestamente, de acordo com suas ideias. Há nele uma ausência de vaidades materiais que chega a ser comovente. Se morasse em Pelotas, e fosse professor de Universidade, jamais o veríamos, por exemplo, no Dunas Clube, à beira da piscina, tomando cerveja depois de disputar uma partida de tênis – em greve por salário ainda mais alto do que os que já receberia (R$ 20 mil, digamos), pensando em justiça social num país de esmagadora maioria pobre, com ganhos mensais médios de R$ 3 mil.

***

Na cerimônia, Mujica disse: “Sigo confiando em los hombres, a pesar que todos los dias me deconcertan”.

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Comentário em vídeo: Liberdade de expressão

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