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Opinião

Fábula das galinhas contentes

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Por Renato Sant’Ana *

Viviam as galinhas em estado de pleno contentamento, embora, para elas,
a tela do imenso galinheiro fosse intransponível.

E eram a tal ponto agradecidas ao dono da granja (senhor da abundância e
da estabilidade) que a mínima reclamação pronunciada por qualquer
indivíduo era vista como ingratidão, leviandade e insubordinação que o
coletivo das aves apressava-se em reprimir e retificar.

“Louvado seja aquele que nos dá a ração de cada dia e nos protege contra
os ataques das raposas!”, repetiam de hora em hora, como quem dedica a
Deus uma prece.

Liberdade não era assunto de que se ocupavam. E se tivessem um cérebro
que não fosse de galinha, teriam justificado tal desinteresse alegando
que semelhante divagação, sem nenhum sentido prático, seria veleidade
própria das almas frívolas.

Suas mentes obtusas e, por isso mesmo, submissas, eram incapazes de
conceber qualquer objetivo que transcendesse as funções naturais de
sobreviver e de se reproduzir.

Jamais ousaram, por conseguinte, dar asas à imaginação e cogitar acerca
do mundo para além da estreiteza em que viviam.

Corriam os dias. Somavam-se as estações. Enquanto havia a luz do Sol,
elas ciscavam, como fazem todas as galinhas. Às primeiras sombras da
noite, guiadas por uma visão muito limitada, subiam aos poleiros,
adormeciam e aguardavam que a natureza trouxesse de volta a claridade.

E era assim, alheias ao infausto destino traçado para elas pelo
granjeiro, que aquelas aves domésticas permitiam a vida escoar-se gota a
gota, enquanto, como convinha ao seu dono, elas engordavam sem parar.

Renato Sant’Ana é Advogado e Psicólogo.
E-mail sentinela.rs@uol.com.br

4 Comments

4 Comments

  1. Alarico

    10/02/21 at 09:35

    Ótima reflexão.
    As aves em geral – e as galinhas em particular – adoram comer em abundância, de preferência sem fazer esforço e na sombrinha. Muitas delas só percebem que foram engordadas de propósito quando ouvem o tilintar da tampa da panela, como nesse caso.

    • luis carlos pires da costa

      19/02/21 at 00:14

      mas tu sabe que isso não tem nada a ver com galinha alguma,certo?

      • Alarico

        25/02/21 at 09:51

        É óbvio, Luiz Carlos.
        O aviário hipotético fica na zona do porto, entre a balsa e a marina. Só não entende quem não quer.

  2. Caranguejo Retrógrado

    08/02/21 at 20:59

    Ótimo texto, Renato.
    Parabéns pela perspicácia e pelo senso de oportunidade.
    Eu acrescentaria apenas que por mais que os caranguejos alertassem que o granjeiro era um farsante, as galinhas sempre os desqualificaram; afinal eram reles caranguejos, uns seres retrógrados e desprezíveis, e sem qualquer autoridade para criticar as virtudes do granjeiro. E assim o fizeram enquanto engordavam e se aprontavam para o abate. Só acordaram tardiamente, quando ouviram o ruído seco da porta externa do frigorífico, e perceberam que ali estavam prisioneiras. Apenas o granjeiro havia ficado do lado de fora… com prestígio acumulado e um bom saldo no banco.

Brasil e mundo

Comentário em vídeo: Liberdade de expressão

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Opinião

Incômodas indicações para cargos na prefeitura

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Há pouco a prefeitura demitiu Pai Cleber de Xangô do cargo de “diretor de Patrolamento” da Secretaria de Obras. Numa cidade com muitas ruas de terra nos bairros, o setor é visado. Quando chove, as ruas, esburacadas, alagam. Ao ver a patrola, os moradores ficam felizes. O ponto: segundo o vereador César Brizolara, do PSB, Pai Cleber foi indicado ao cargo pelo vereador Márcio Santos, do PSDB, partido da prefeita Paula Mascarenhas. A demissão veio após Brizolara afirmar que Cleber entregava aos moradores cartões oferecendo serviços religiosos e propagandeando que o serviço de patrola ocorria graças a Santos.

Já na Secretaria de Assistência Social, o servidor Juliano Nunes foi guindado ao cargo de função gratificada de “diretor de Alta Complexidade”. Segundo o secretário de Assistência Social, Tiago Bündchen, em depoimento ontem (19) na Câmara, Nunes foi indicado ao cargo pelo vereador Carlos Júnior, do PSD, da base do governo. Como Pai Cleber, Nunes foi afastado do cargo, depois de denúncias de que desviava dinheiro público de beneficiários do Serviço de Prestação Continuada. O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado esteve na casa de Nunes, onde fez buscas e apreensões.

Já no Pronto Socorro Municipal, Misael da Cunha, então vice-presidente do PSDB e ex-tesoureiro do partido, foi elevado ao cargo de “gerente executivo do Pronto Socorro”, de onde acabou afastado após a descoberta de pagamentos em duplicidade a uma empresa específica. O caso motivou uma CPI, em curso na Câmara, onde Brizolara tem insistido em que se abra uma outra CPI específica para investigar a Secretaria de Assistência Social.

Por esses casos estima-se os riscos da indicação política de pessoas para cargos-chave. De apelo eleitoral. E que operam verbas.

Vereadores indicando cargos, de qualquer tipo, e a autoridade na prefeitura aceitando, é um sinal da miséria brasileira, da falta de entendimento do papel institucional. Às vezes cansa falar disso.

A imagem da patrola parece resumir o que ocorre.

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