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Brasil e mundo

Vencer na vida: o discurso de alguns palestrantes e pregadores. Por Robson Loeck

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Por Robson Loeck*

A ideia de escrever estas linhas surgiu depois de abrir a minha caixa de correspondência e ler um jornal de uma igreja que nela foi colocado. Ao terminar a leitura despropositada e movida pela curiosidade, fiquei embasbacado. Não pelo fato de não conhecer um pouco sobre as religiões e, por exemplo, a famosa análise de Max Weber em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, mas, sim, por pensar: “puxa vida, em pleno século XXI, isso ainda faz a cabeça das pessoas!”.

Pensativo por um breve momento, dei-me conta que sim, que é a mais pura realidade, até mesmo porque, caso não fosse, aquele jornal não teria sido impresso e, muito menos, eu o teria lido. Mas, para fazer jus ao título do artigo, antes de comentar sobre o seu conteúdo, gostaria de falar sobre alguns palestrantes de autoajuda e da similaridade dos seus discursos com os discursos também utilizados por alguns pregadores religiosos, as quais já adianto, são duas: a defesa da sociedade capitalista e o sucesso como uma questão individual.

Desde a graduação, em meados da década de 90, comecei a assistir palestras de autoajuda, e ainda hoje, assisto, quando não tenho escapatória, ainda que contrariado. Posso dizer que a “coisa é forte” e não é para “os fracos”. Para se ter uma ideia, não foi à toa que Barack Obama, na campanha presidencial dos Estados Unidos de 2008, usou o slogan “yes, we can”. Se funciona na política, imagina então no mundo empresarial e do emprego, onde boa parte dos palestrantes de autoajuda, em geral para um público extenso, dizem que todos nós podemos fazer o que quisermos, resumindo: que para vencer na vida basta querer.

Outros tantos pregadores religiosos não ficam atrás, pois o discurso é muito parecido. Para eles, o sucesso advém do ato de frequentar a igreja e de se “encontrar” com Deus. Para se ter uma ideia, em um dos vários depoimentos do referido jornal, aliás muito parecidos, uma pessoa com o casamento fracassado, desempregada e cheia de dívidas foi à igreja, ouviu a pregação e resolveu todos os seus problemas. Teria superado todas as suas dificuldades e passado por uma mudança drástica pois, vejam só, de empregada se tornou empregadora, tendo agora casa própria, imóveis para aluguéis e dois carros importados na garagem.

Para o palestrante de autoajuda, importante ressaltar, se faz necessário entender o funcionamento do “deus” mercado e acreditar em si mesmo para a obtenção do sucesso. Já para o pregador religioso é necessário ir à igreja para se encontrar consigo mesmo e conhecer a palavra de Deus, para depois conquistar um bom resultado no mercado. E algo muito interessante, numa perspectiva de negócio, é que o insucesso nunca pode ser creditado a ambos, pois eles não têm culpa, respectivamente, de o mercado ainda não ter sido bem assimilado e de Deus ainda não ter penetrado, de fato, na vida da pessoa.

Essas abordagens fazem muita gente acreditar que o sucesso está atrelado somente ao aspecto econômico da vida e que não atingi-lo é um problema de ordem individual, ou seja, somente seu e de mais ninguém. É um perigo se deparar com pessoas empolgadas dentro de um auditório lotado, geralmente um evento patrocinado pelo empregador para motivar seus empregados, pois é um indicativo de que muitas expectativas não serão concretizadas, levando muitos ao sentimento de culpa pelo insucesso e, consequentemente, à depressão. Da mesma forma, o mesmo sentimento pode aflorar em pessoas que ficam à mercê de um pregador e, mesmo depois de ofertar recursos financeiros a sua igreja, não veem a sua vida deslanchar.

Interessante também é perceber que, apesar de defenderem e incentivarem o sucesso econômico e a sociedade individualista e capitalista, muitos palestrantes de autoajuda e pregadores religiosos dependem do dinheiro de quem lhes escuta. E assim o fazem, a princípio, sem culpa e sem que qualquer culpa possa lhes ser creditada. Não é um baita negócio?

Ao mesmo tempo, importante que seja dito, seus negócios não geram resultados econômicos para a coletividade e muito menos para os seus clientes individualmente, pois prova disso é o número de pessoas pobres na sociedade ser relativamente bem maior do que ao de pessoas ricas, o que demonstra a sua ineficácia quanto aos resultados prometidos.

Que Deus nos ajude, em pleno século XXI, a enfrentar a fé no mercado e a compra da fé!

Robson Becker Loeck é sociólogo, graduado e mestre em ciências sociais, especialista em política.

Artigos de opinião refletem a posição exclusiva de seu autor.

1 Comment

1 Comments

  1. Rodrigo Jorge Martins

    12/05/21 at 17:45

    Excelente alerta!
    E o mercado do “incentivo” se espraia para outros cenários que enriquecem e muito os seus propagadores, o concurso público é outro grande exemplo de filão de grana. São cursinhos, apostilas, livros e, o tão na moda coaching. Diversos e das mais variada formas, e mais em épocas de grandes dificuldades econômicas e desemprego, pipocam os “coachings” ofertando os seus préstimos a quantias astronômicas, incentivando o iludido a buscar por meio das inúmeras técnicas de “aprendizado” a sonhada vaga no serviço público.
    Veja bem, foram mais de 750 mil inscritos para o concurso da polícia rodoviária, destes, quantos caíram no conto do “eu vou conseguir” “só depende de mim” “se não consegui, a culpa foi minha”… Será mesmo???
    O Deus mercado está ali, pronto para abraçar os “fracassados”, por ora.

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UFPel entregou título de Dr. Honoris Causa a Mujica

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Discretamente, na sexta passada, a direção da UFPel viajou ao Uruguai para entregar a Pepe Mujica o título de Doutor Honoris Causa. A notícia foi divulgada ontem, terça, no site da Universidade.

Algumas frase dos dirigentes universitários presentes à homenagem, às vezes em tom juvenil:

“Pepe é um grande exemplo de pessoa que consegue lutar por direitos humanos, justiça social e democracia. Resistiu bravamente aos movimentos da ditadura e, como um jardineiro, sempre plantou a esperança, a luta e a vontade dessa luta em cada companheiro. Ele planta hoje a esperança para os nossos jovens”.

“Muito obrigada por ser quem é, muito obrigada por nos inspirar a defender a educação como uma forma mais poderosa de semear o futuro”.

“A visão humanista de Mujica ressoa profundamente com os ideais que nós da Universidade Federal aspiramos cultivar, nossa instituição sempre se pautou na crença de que a educação é a base para uma sociedade mais justa e igualitária, as bandeiras defendidas por Mujica colocam o bem-estar humano e a preservação do planeta acima do materialismo e do consumo desmedido e enlouquecedor, inspiram nossos esforços e reafirmam o nosso compromisso com a busca por dias melhores”.

***

Cmt meu: Mujica é de fato um homem incomum. Coerente. Vive modestamente, de acordo com suas ideias. Há nele uma ausência de vaidades materiais que chega a ser comovente. Se morasse em Pelotas, e fosse professor de Universidade, jamais o veríamos, por exemplo, no Dunas Clube, à beira da piscina, tomando cerveja depois de disputar uma partida de tênis – em greve por salário ainda mais alto do que os que já receberia (R$ 20 mil, digamos), pensando em justiça social num país de esmagadora maioria pobre, com ganhos mensais médios de R$ 3 mil.

***

Na cerimônia, Mujica disse: “Sigo confiando em los hombres, a pesar que todos los dias me deconcertan”.

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Comentário em vídeo: Liberdade de expressão

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