O roteiro inicial de “Café Cortado”, quarto romance de Joice Lima, planejado em 2018, previa uma história de amor ficcional que abordaria relações pessoais, meio ambiente, racismo, homofobia e alcoolismo. A história narrada em primeira pessoa pela jornalista investigativa Leonora Costabrava, contudo, acabou por sofrer fortes transformações durante o processo de escrita. “Pandemia… Bolsonarismo… Ficou impossível ignorar tudo o que estava acontecendo à nossa volta. A realidade ficou dramática demais, acabou por atropelar a ficção”, conta a escritora. Deco Rodrigues entrevista Joice no papo-cult, na live de lançamento da pré-venda que será realizada neste sábado (21), às 19h, pelo Instagram @ecultnews.
“Acredito que cada autor tenha o seu público e o meu, com certeza, curte um bom drama com humor, histórias de amor e de amizade, críticas sociais… Discorro sobre assuntos que são importantes para mim e gosto de deixar pistas sutis espalhadas pelo caminho, para que o leitor desvende os mistérios ou se surpreenda com as revelações, mas ciente de que elas estiveram ali o tempo todo… É como uma brincadeira, para criar essa relação de cumplicidade com o leitor”, explica.
“Sou constantemente assolada por estranhas coincidências”, revela a autora. Em 2018, Joice publicou uma história que se passava em um período de quarentena (“Hortênsias de Agosto”); dois anos depois o mundo estava imerso na pandemia e sua quarentena infindável. Naquele mesmo ano, ela havia decidido que em seu próximo romance abordaria questões ambientais, racismo e homofobia… “E o Brasil acabou por eleger, no final daquele ano, um presidente racista e homofóbico que, mal assumiu a presidência, fez as maiores atrocidades contra a nossa Floresta Amazônica.”
Como a protagonista era uma jornalista investigativa e também havia um cientista na trama, Joice se viu com a faca e o queijo na mão para fazer mais que um romance de ficção. “Meus personagens falam o que tenho vontade de gritar ao mundo. Os bolsonaristas não vão gostar do meu livro, já vou avisando… porque está tudo ali, para não nos deixar esquecer, um registro histórico do Brasil de 2019-2021. Não tenho a ilusão de mudar a cabeça de ninguém… Se há uma coisa que aprendi é que as pessoas veem o que querem ver, por mais contundentes que sejam as evidências. Mesmo assim, senti que precisava fazer esse registro, que representa não só o meu ponto de vista, mas o de milhões de brasileiros”, aponta.
Para quem leu o último romance, “Hortênsias de Agosto”, e espera algo parecido, a autora avisa que o “Café Cortado tem uma pegada diferente”. “É um romance com perseguições e suspense, que ainda tem uma história de amor, mas com menos açúcar, assim como o cortado que a protagonista gosta de tomar.” Enquanto em “Hortênsias…” quem dava o tom da escrita era Eliana Giordano, uma escritora romântica, impulsiva, atrapalhada e totalmente transparente, a protagonista de “Café Cortado”, Leo, é quase o oposto: uma jornalista de humor ácido, desconfiada e reservada na vida pessoal, “daquelas que gosta de ter as coisas sob controle e tem tanto receio de envolvimentos que não se compromete nem com um cacto”.
O alívio cômico do livro fica por conta dos amigos da protagonista, os divertidos Val e Charlie, que são professores. “Outra coincidência que me permitiu explorar toda a questão de desrespeito do atual governo com a educação e a classe docente. Acho que a literatura deve ser informativa e provocar reflexões, mas também não pode ser pesada demais… A vida real já é dura o bastante. Gosto de intercalar momentos dramáticos e cômicos. Esses personagens trazem leveza e humor ao romance, mas suas histórias emocionam também.”
Outra característica da escrita de Joice é a mescla de jornalismo e ficção. Ela mistura impressões pessoais, vivências e fatos verídicos com fantasia. “Acho que a gente escreve melhor sobre aquilo que conhece. Em geral meus personagens são inspirados em pessoas reais, às vezes são um misto de várias. O livro tem histórias minhas e de outras pessoas e muita pesquisa também. Como sou jornalista, ainda que nunca tenha atuado na área da investigação, transito por um território e vocabulário familiares, e pesquiso cada tema exaustivamente antes de definir o que e como vou abordá-los.”
Joice
Lugares
“Café Cortado” é um romance internacional, com uma trama que se move por diversos países – tem passagens por Londres, País de Gales, Dublin, ilhas dos Açores e da Madeira, São Paulo (SP) e Pelotas (RS); todos lugares em que Joice já morou ou esteve. Outra particularidade é que a autora elaborou um questionário de 14 perguntas sobre racismo, que foi respondido por seis amigos: Luís Fabiano Gonçalves (cineasta, servidor público); Ricardo Ferreira da Silva (músico); Carla Ávila (professora de Sociologia, doutoranda de Política Social e Direitos Humanos/UCPel); Deborah Anttuart (jornalista); Kako Xavier (músico, agente cultural); e Terezinha Malaquias (performer, escritora). “Nunca poderei agradecer o suficiente a imensa generosidade deles em compartilharem suas histórias pessoais e experiências, em me emprestarem os seus lugares de fala.”
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Em clima de blues
Assim como “Hortênsias…” era embalado por trechos de músicas de Pink Floyd, “Café Cortado” vem em clima de blues, com canções que ficaram conhecidas pela voz de Nina Simone (1933-2003). “A escolha não foi casual”, antecipa a autora. “Além das músicas serem lindas e os trechos cuidadosamente escolhidos terem a ver com o enredo do livro, Nina foi ativista de um dos movimentos antirracistas mais importantes da história dos Estados Unidos (entre 1954 e 1968) – o racismo é um dos temas centrais do livro. Em 1963, quando quatro crianças negras foram mortas em um atentado racista em uma igreja do Alabama, Nina ficou tão tocada que, a partir dali, resolveu transformar sua arte em política e acabou por se tornar um símbolo de expressão dos direitos civis e da luta do movimento negro”, conta Joice. A live deste sábado terá participação especial da cantora Marilia Piovesan, que cantará algumas canções de Nina Simone, que integram a trilha de “Café Cortado”.
Bônus
Para aqueles leitores que gostaram do último romance, Joice antecipa que os personagens centrais de “Hortênsias de Agosto” passeiam por “Café Cortado”, embora como coadjuvantes. “Pensei em brincar com isso para que o leitor perceba que cada um é protagonista de sua própria história, mas coadjuvante nas dos outros. Qualquer pessoa tem histórias para contar, coisas a dizer… O escritor apenas se debruça sobre essas elas e encara o desafio e a responsabilidade de colocá-las na rua”, pondera.
Joice alerta que trata-se de um romance adulto e contém cenas de sexo picantes. “Encaro o ato sexual como algo natural, que faz parte da vida. Não tenho melindres nesse sentido.” A autora conta que o processo de escrita levou mais de três anos, desde as primeiras ideias. “Foram anos de muito trabalho, e prazer também. Escrever é um eterno processo, a gente sempre pode melhorar ou mudar de estilo. Sinto que estou mais ousada e mais livre na escrita… que estou me encontrando”, confidencia.
Sinopse
Leonora Costabrava é jornalista investigativa e acompanha um caso de poluição ambiental que atinge vários países na costa do Atlântico Norte e que pode estar conectado à morte de pescadores nesses locais. Em busca do doutor Espírito Santo, renomado biofísico marinho que é a fonte principal para o furo de reportagem que poderá render-lhe o tão sonhado Pulitzer, Leo acaba por envolver-se com um estranho muito atraente, que logo passa a ser um suspeito em sua investigação.
Um reencontro inesperado, um flanelinha atrevido e um cão de rua fofo contribuem para dar uma reviravolta na vida de Leo.
Bacharel em Jornalismo (UFSM), licenciada em Teatro (UFPel) e especialista em Educação (IFSul-Pelotas), Joice Lima trabalha como servidora pública. Também é atriz, diretora de teatro e dramaturga. Tem publicados três romances: o drama contemporâneo Hortênsias de Agosto (2018); o autobiográfico Uma gaúcha em Madri (2008) e o thriller psicológico Amor doentio de mãe (2006). Publicou também a comédia teatral adulta Depois do Happy Ending (2008), integrou a coletânea Dramaturgia em Processo (2010) e, recentemente, participou com quatro contos do livro De Quatro – Contos, Poemas e Crônicas (2021).
Serviço
Título: “Café Cortado”
Autora: Joice Lima
Gênero: romance contemporâneo adulto
Capa: Mariana Valente Revisão: Luiza Meirelles
Publicação independente
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Preço de lançamento na pré-venda: R$ 49 (+ despesas de correio; entrega gratuita em Pelotas) O preço de capa será R$ 64, mas o pagamento antecipado dá 24% de desconto. O livro será entregue dentro de um mês.
O exemplar pode ser adquirido direto com a autora, pelas redes sociais – Instagram e Facebook @joicelimaescritora
Vi Elvis, a cinebiografia do cantor branco que só sabia cantar dançando, requebrando sensualmente como os negros que conheceu no Sul dos EUA, em Memphis, onde nasceu, cresceu e sempre morou.
Mesmo em duas horas e quarenta, fica-se com a sensação de algo mal contato. Esteticamente rico, emocionalmente o filme é pobre. Como o arco narrativo nunca se firma, parece que o diretor evitou contar coisas que deveria ter contado, e algumas que contou, contado melhor.
Já o protagonista, apesar de fisicamente parecer com Elvis e ter incorporado com perfeição os trejeitos do biografado, não assimilou-lhe a personalidade, o que resulta num personagem sem carga dramática, “vazio”. Muito diferente, por exemplo, do que acontece com o intérprete de Freddie Mercury em Bohemian Rhapsody, a primeira da recente safra de cinebiografias de músicos. Nesta, o ator literalmente incorporou Mercury, ou, o que em certos trechos parece ter ocorrido, Mercury voltou para encarnar no ator.
Pelo filme, fiquei com a sensação de um Elvis caipira que não sabia quem era, alguém infeliz. Ele se queixa de que sua vida passara (“vou fazer 40 anos”) e não deixaria um legado. Dá a entender que gostaria de ser lembrado como ator, por um papel em filme clássico, o que não conseguiu. É impossível não pensar: se, com todo aquele talento, sucesso e riqueza, Elvis não era feliz, imagina a gente.
Pelo histórico de fins tristes de astros pop, talvez chegue uma hora em que sentem o peso da solidão. Têm o amor da multidão, mas, ao mesmo tempo, pela própria natureza da situação, não têm o amor de ninguém em específico. Não dá para entender o que se passa. O ser humano parece que nunca está contente.
Chegou a formar família e ser pai, mas fracassou no casamento. Acabou sozinho em Graceland, sua mansão. Morreu aos 42. No meio da noite. No banheiro. Obeso. Nu. Caído ao lado do vaso sanitário. (cena que não aparece no filme).
Médicos e imprensa estranharam a pressa para o anúncio da causa do óbito: “parada cardíaca e sem relação com abuso de entorpecentes”. A autópsia foi colocada, pela família, em segredo por 50 anos. Só em 2027 será possível ter acesso às informações.
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* Tom Hanks está ótimo. No papel de Coronel, agente e empresário de Elvis Presley, é um tipo inesquecível, não exatamente pelo desempenho, que é sempre funcional e empático, mas sim pela maquiagem. Pesada, ela tornou-o caricatural, como se não fosse de verdade. A não ser que tenha sido proposital, ficou estranho.
Em cartaz nos cinemas, O Telefone Preto é ambientado em 1978, quando uma série de sequestros de crianças está aterrorizando a cidade de Denver. Finney Shaw (Mason Thames) é um garoto de 13 anos, tímido e inteligente, que é sequestrado por um sádico assassino (Ethan Hawke) que o enclausura em um porão à prova de som, onde gritar não vai resolver nada. Quando um telefone preto desligado começa a tocar, Finney descobre que consegue ouvir as vozes das vítimas anteriores do sequestrador. E elas estão decididas a assegurar que o que lhes aconteceu não aconteça com Finney.
Baseado em um conto escrito por Joe Hill, filho do autor Stephen King (reparem na referência para It – A Coisa), o longa é comandado por Scott Derrickson, um dos melhores nomes do cinema de terror da atualidade, com O Exorcismo de Emily Rose (2005) e A Entidade (2012) em sua filmografia. Mais recentemente, o diretor deixou o gênero de lado para fazer parte do Universo Cinematográfico Marvel, onde dirigiu Doutor Estranho (2016). O cineasta sabe como poucos prender a atenção do público, e em O Telefone Preto, ele retoma sua parceria com a Blumhouse, produtora conhecida pelo foco em filmes de terror de baixo orçamento.
Com o roteiro de Derrickson em parceria com C. Robert Cargill, o filme é um suspense eficaz preocupado em criar medo pelo clima de tensão e claustrofobia, aliado ao desenvolvimento de seus personagens. Isso fica evidente logo no início, ao focar no relacionamento de Finney com a irmã Gwen (a carismática Madeleine McGraw). Com isso, traumas da infância são explorados pela trama, com Finney enfrentando bullying na escola e os irmãos sofrendo com o pai alcoólatra e abusivo. Entendemos, então, a realidade e o poderoso vínculo de apoio e afeto criado por eles diante desses problemas, em uma relação fundamental para a eficiência da narrativa.
No papel do misterioso e cruel sequestrador, Ethan Hawke rouba a cena. Uma atuação poderosa e que consegue aterrorizar o espectador mesmo usando uma máscara sinistra durante quase todo o filme. Aliás, um dos elementos mais interessantes do longa é o fato de o vilão esconder seu rosto atrás de uma máscara, que em diversos momentos altera a forma e a expressão, refletindo a instabilidade emocional do personagem conforme os acontecimentos e o mantendo ainda mais intrigante.
Com uma história simples e bem contada, O Telefone Preto é um terror psicológico e sobrenatural que prende a atenção até o final.
Filme original mais caro da história da Netflix, Agente Oculto acompanha um ex-presidiário que, com o codinome de Sierra Seis (Ryan Gosling), é colocado a serviço da CIA em troca de sua liberdade.
Consagrado como um dos mais eficientes agentes de campo, ele se envolve em uma conspiração criminosa dentro da própria agência, pouco tempo depois da aposentadoria de seu mentor, Donald Fitzroy (Billy Bob Thornton). Caçado pelo psicótico Lloyd Hansen (Chris Evans) e outros mercenários do mundo todo, Seis contará com a ajuda da espiã Dani Miranda (Ana de Armas) para se salvar.
Adaptação do livro homônimo de Mark Greaney, o filme é dirigido pelos irmãos Anthony e Joe Russo, conhecidos pela direção de vários filmes da Marvel, como os do Capitão América, Soldado Invernal e Guerra Civil e dos Vingadores, Guerra Infinita e Ultimato. Se ação está garantida, a produção peca nos clichês, a começar pelo trio de protagonistas, que apresenta um anti-herói calado e violento, mas de bom coração, sua parceira durona e um vilão excêntrico.
O roteiro escrito por Joe Russo, Christopher Markus e Stephen McFeely é um tanto quanto genérico, com o frequente arco central de corrupção e traições comuns no gênero de espionagem. A personagem da Ana de Armas, por exemplo, ganha boas cenas de ação, porém fica a sensação de que falta para a personagem uma história própria. A ameaça interna da CIA, que deveria ser um possível risco para Seis, na imagem de Carmichael (Regé-Jean Page), é outro personagem superficial e mal construído, sem uma motivação definida.
Com o orçamento gigantesco, a produção conta com locações em diversos países, como Áustria, Croácia, Bangkok e Alemanha, além de excelentes efeitos visuais. O resultado são sequências de ação visualmente impressionantes, porém teatrais e exageradas, seja sob luzes fluorescentes, fumaças coloridas e fogos de artifício.
Com um elenco cheio de estrelas de Hollywood, Ryan Gosling e Ana de Armas ditam o tom do filme, enquanto que Chris Evans diverte no papel do vilão psicopata. Ainda no elenco, Regé-Jean Page, Jessica Henwick, Billy Bob Thornton, Wagner Moura (infelizmente com uma pequena participação), Julia Butters, Dhanush, estrela do cinema indiano, e a veterana Alfre Woodard.
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Entretenimento descartável, Agente Oculto representa a zona de conforto dos irmãos Russo e fica devendo um roteiro à altura de seu ótimo elenco.