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Brasil e mundo

2013: o ano que não terminou

A ideia-debate de que os partidos não estavam dando conta sozinhos da realidade sumiu da paisagem tão rápido quanto entrou

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A Europa se prepara para uma quarta onda de covid. Segundo a epidemiologista Margareth Dalcolmo, o que começa na Europa acaba vindo para o Brasil. Desde as caravelas e Cabral, os europeus são nossa referência. Às vezes penso que nos faltou o que não faltou lá: uma guerra de verdade, porque, no Brasil, as coisas mais importantes sempre ficam para depois.

Há alguns anos se falava:

“O mundo ficou complexo demais para que só os partidos se ocupem da política.”

As manifestações de 2013 foram interpretadas como um sinal disso.

Naquele ano, multidões saíram às ruas para dizer que não estavam gostando da condução dos políticos. A sucessão de passeatas, confrontos com a polícia e depredações de prédios públicos, com ameaças de invasão na Praça dos Três `Poderes, teve como estopim queixas do Movimento Passe Livre contra o aumento de 20 centavos nas tarifas de transporte em São Paulo. O País colou os olhos na tevê. Parecia uma revolução.

A explicação que prevaleceu para aquele clamor foi que decorreu da insatisfação social com as condições dos serviços públicos. Serviços ruins e caros para uma maioria de usuários de baixa renda. Certamente houve razões mais profundas, como provou a dimensão nacional que ganhou um protesto iniciado em São Paulo, disseminado por um sem-número de cidades.

Tudo começou por causa de 20 centavos

Como o governo desistiu momentaneamente de elevar a tarifa, a situação voltou ao “normal”. Pouco a pouco, os protestos em mais de 100 cidades foram arrefecendo, com os manifestantes dando-se por satisfeitos depois de entregarem documentos com pleitos aos chefes do Executivo em cada cidade. A presidente Dilma ajudou a apagar o incêndio, gravando um vídeo pedindo paz na sociedade. Com isso, a ideia-debate de que os partidos não estavam dando conta sozinhos da realidade sumiu da paisagem tão rápido quanto entrou. Para onde foi toda aquela indignação?

Como resposta à sociedade, houvesse seriedade no Brasil, esperava-se que as lideranças políticas desencadeassem um debate maduro, em busca de consensos sobre reformas estruturantes para o País. Não fizemos. Deixamos passar a oportunidade. Pode parecer ingênuo esperar que fizessem alguma coisa. Mas, por conta dessa negligência, muitos cientistas políticos consideram que junho de 2013 é um mês que ainda não terminou.

Desde aquela época, o Brasil vive em uma espiral constante de acirramentos de conflitos, ódios, arroubos autoritários. Em 2014, os atores da Lava Jato pareceram, de repente, reencarnar o espírito de 2013, agora com ímpetos sumários de justiça por algo mais ambicioso que 20 centavos. Todo mundo aplaudiu. Sabemos o que aconteceu: bilhões desviados, sangria fiscal, condenações, alguns atropelos jurídicos decorrentes da ânsia reprimida por inaugurar um novo País, impeachment, Temer…

Uma operação que foi na essência meritória, uma reivindicação a ver com o clamor de 2013, politicamente desembocou em Jair Bolsonaro, de repente depositário de uma esperança radical; entendido como alguém “fora do sistema”, apesar de ser fruto dele, JB foi a saída que restou em 2018. Bolsonaro teve a chance de tentar fazer aquelas reformas, como procuraria fazer um estadista sintonizado com seu tempo. Mas não…

Sem a estatura necessária exigida do cargo, e sem dimensão histórica, JB se confundiu e atrapalhou. Decidiu enfraquecer Sérgio Moro na Justiça. Não fortaleceu o combate à corrupção. Afrontou as instituições, a imprensa, a lógica, ameaçou com golpe. No fim, aliou-se ao Centrão e, recentemente, aderiu ao jogo de agradar o parlamento com emendas secretas etc. Resultado: o Supremo, pouco antes, mudou o fórum de julgamento de Lula sem inocentá-lo, mas tornando-o reelegível em 2022.

Mais uma vez ficou para trás a ideia de repensar as instituições, o que exigiria provavelmente nova Constituição, certamente reformas estruturantes no sentido de reorganizar o Estado, pôr fim aos privilégios, inserir maior liberdade econômica etc., preparar o País para a modernidade.

Aquela pulsão de 2013 não foi absorvida pelas lideranças porque o Brasil é o País do futuro, nunca do agora. Gostamos de empurrar com a barriga.

O Brasil teve a chance de ser refundado, mas deixou escapar

Rubens Amador. Jornalista. Editor do Amigos de Pelotas. Ex funcionário do Senado Federal, MEC e Correio Braziliense. Pai do Vitor. Fã de livros, de cinema. E de Liberdade.

1 Comment

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  1. J. Cicero Alves

    26/11/21 at 07:44

    O país precisa sim de uma nova Constituição. O texto Constitucional precisa ser atualizado para atender às novas exigências e realidade política, econômica e social do mundo coetâneo.

    A Carta vigente, em seus mais de 30 anos, sofreu mais de 100 emendas. Está desfigurada.

    Nessas três décadas, o mundo evoluiu, as ciências avançaram, as tecnologias se incrementaram, adveio a internet, a comunicação e as interações virtuais, enfim, o mundo mudou, e não é razoável querer-se regular o Estado com base em um texto constitucional obsoleto e desfigurado.

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UFPel entregou título de Dr. Honoris Causa a Mujica

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Discretamente, na sexta passada, a direção da UFPel viajou ao Uruguai para entregar a Pepe Mujica o título de Doutor Honoris Causa. A notícia foi divulgada ontem, terça, no site da Universidade.

Algumas frase dos dirigentes universitários presentes à homenagem, às vezes em tom juvenil:

“Pepe é um grande exemplo de pessoa que consegue lutar por direitos humanos, justiça social e democracia. Resistiu bravamente aos movimentos da ditadura e, como um jardineiro, sempre plantou a esperança, a luta e a vontade dessa luta em cada companheiro. Ele planta hoje a esperança para os nossos jovens”.

“Muito obrigada por ser quem é, muito obrigada por nos inspirar a defender a educação como uma forma mais poderosa de semear o futuro”.

“A visão humanista de Mujica ressoa profundamente com os ideais que nós da Universidade Federal aspiramos cultivar, nossa instituição sempre se pautou na crença de que a educação é a base para uma sociedade mais justa e igualitária, as bandeiras defendidas por Mujica colocam o bem-estar humano e a preservação do planeta acima do materialismo e do consumo desmedido e enlouquecedor, inspiram nossos esforços e reafirmam o nosso compromisso com a busca por dias melhores”.

***

Cmt meu: Mujica é de fato um homem incomum. Coerente. Vive modestamente, de acordo com suas ideias. Há nele uma ausência de vaidades materiais que chega a ser comovente. Se morasse em Pelotas, e fosse professor de Universidade, jamais o veríamos, por exemplo, no Dunas Clube, à beira da piscina, tomando cerveja depois de disputar uma partida de tênis – em greve por salário ainda mais alto do que os que já receberia (R$ 20 mil, digamos), pensando em justiça social num país de esmagadora maioria pobre, com ganhos mensais médios de R$ 3 mil.

***

Na cerimônia, Mujica disse: “Sigo confiando em los hombres, a pesar que todos los dias me deconcertan”.

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Comentário em vídeo: Liberdade de expressão

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