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Cultura e entretenimento

Jornalistas, em seu estranho ofício

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Hoje é Dia do Jornalista. Implico um pouco com essas Datas. É tanto dia de tanta coisa que penso se ainda não inventarão o Dia Mundial de Coisa Nenhuma, o que não deixaria de ser uma boa definição para a atividade de jornalista.

Como dizia Arnaldo Jabor, jornalista é uma esponja que fica se nutrindo e se livrando da vida dos outros. Depois de décadas de trabalho, seu legado não é visível.

Jornalista opera por corrente elétrica, uma grande voltagem que nem sempre dá em luz. É uma profissão estranha. Há quem veja nela um ótimo recurso para fugir de si mesmo, pela variedade de temas em que o jornalista mergulha e abandona, relativos sempre à vida dos outros, com frequência e rapidez de impressionar.

Diferente do médico, que conserta um coração; de um professor, que alfabetiza e forma; de um operário, que constrói um edifício, jornalista nada conserta, não educa, nada constrói, embora goste de pensar que sim. Sua matéria-prima é impalpável e efêmera. Acontecimentos em forma de imagens e de palavras, superadas por outras imagens e palavras no mesmo dia ou hora.

Imagine o orgulho de um médico, de um professor, de um operário. Para ficar numa categoria, imagine a exaltação que sentiram os últimos operários da Muralha de China, no dia da inauguração! Já jornalista, de que se orgulha mesmo, no final das contas?

Jorge Luis Borges dizia que o jornalista sonha escrever para a posteridade, mas o faz para o esquecimento. Talvez por isso andemos agora querendo interferir nos rumos da história.

Originalmente jornalista existe para registrar a história que outros fazem. Agora resolvemos fazer história com as próprias mãos, como se fosse justiça (até pode ser, mas, com licença, hehehe…). História na marra, por conta própria ou com o aval dos patrões. A frustração parece estar se tornando insuportável.

Jornalistas são indagadores insatisfeitos com olhos atentos a furos, desconfiados. Ninguém vive assim. Pessoas normais vivem de considerações amplas, conjuntos de obras. Somos chatos porque, às vezes me parece, no fundo há algo de errado conosco. Como pode ser feliz uma pessoa sempre pronta a denunciar uma imperfeição, se ela é a regra na vida?

Somos chatos. E tão apressados que, muitas vezes, acabamos, nós mesmos, sendo flagrantemente imperfeitos, infelizes nas palavras, arrogantes nos julgamentos.

Aproveitando que é época de Páscoa, pessoas normais têm certeza de que Jesus ressuscitou no Terceiro dia. Jornalistas, não: “Pois dizem que ressuscitou… Precisamos apurar. Avisem o pessoal da pauta.” É desgastante.

Talvez por isso muitos jornalistas sonhem abandonar a profissão e se dedicar à ficção ou ao registro em livro de acontecimentos marcantes da história, um trabalho do qual possam se orgulhar e até legar.

Mário Vargas Llosa, que foi jornalista e virou romancista, diz que o escritor é uma pessoa que não aceita a realidade, por isso se dedica a reconstruí-la na ficção, buscando preencher as insuficiências da vida, que, como se sabe, são muitas – e eternas. Me parece uma saída honesta, reparadora, embora solitária. Na escritura, porém, pode-se sentir construindo alguma coisa. Mais: talvez se possa contribuir para educar uma mente interessada, talvez confortar um coração.

No tempo da faculdade, professores indicavam o livro ‘A Regra do Jogo’. Nele, o diretor de redação Cláudio Abramo (foto) escreveu sobre o ofício: “Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual à minha ética como jornalista – não tenho duas…”. Em outro trecho, diz: “O jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter.”

Passados tantos anos, está claro, a atividade é mais que imperfeita, como a vida, feita de idas e vindas, constantes quedas e reabilitações. Podemos cometer erros, nos perder. Nada que um Rehab não conserte, se o sujeito se dispõe a superar-se.

Gosto de pensar no jornalista como uma pessoa capaz de salvar uma vida com algumas palavras. Se não a de outro, a própria, mas como é difícil.

Jornalista. Editor do Amigos. Ex-funcionário do Senado Federal, do Ministério da Educação e do jornal Correio Braziliense. Prêmio Esso Regional Sul de Jornalismo. Top Blog. Autor do livro Drops de Menta. Fã de livros e filmes.

Cultura e entretenimento

Luiz Carlos Freitas lança novo romance: Confissões de um cadáver adiado

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O escritor e jornalista Luiz Carlos Freitas autografa na próxima quinta-feira (30), a partir das 18, na Livraria Mundial, seu novo romance: Confissões de um cadáver adiado. Freitas mergulhou no trabalho durante um ano até bater o ponto final.

O romance tem como ponto de partida e chegada a própria vida do autor, que sobreviveu a uma sentença que parecia de morte.

O prefácio fala por si:

Realidade e ficção na hora da morte Amém!

Sou filho do povo pobre e escravizado, a literatura me libertou e salvou. Perambulei por aqui e ali, encontrei guarida, força e sobrevivência financeira no jornalismo, oásis e alegria no ofício de escrever romances de cunho social, em paralelo, nas horas roubadas ao lazer e ao convívio familiar. Escrever me bastava, ser famoso e ganhar dinheiro não me atraia – expulsar fantasmas íntimos era o objetivo. Até que, no final de abril de 2011, ocorreu o que eu previa desde quando perdi meu pai, em 1973, aos 43 anos, vitimado por câncer no estômago e metástase no fígado.

Eu trabalhava na conclusão do romance MoriMundo e, em função de desconforto gástrico, fui me consultar. Desconfiança do médico, endoscopia, diagnóstico de enfermidade anunciada: tumor maligno de 2,5 cm (a mesma doença paterna) no Piloro (parte do estômago). Solução? Cirurgia. Pra ontem! Fui operado dia 13 de maio de 2011. Tudo certo! Extraíram o tumor e parte do estômago – deram-me como curado. Milagrosamente. Sem metástases. Tirei o prêmio da Mega Sena. Hurras! Vivas! Safei-me. Em julho dispensei o auxílio-saúde do INSS, voltei ao trabalho e à conclusão do MoriMundo, com a responsa de retornar a consultar-me com o oncologista em novembro, já com a tomografia em mãos.

Terminei o livro e o publiquei em setembro daquele ano. Ufa! Em novembro fiz a “Tomo” e me apresentei ao médico, pacificado, tranquilo, sem nada a temer. Choque! De alta voltagem! O cara leu o laudo do exame e me disse na lata: Problemas! Novo tumor no estômago, outro no pâncreas, um terceiro no baço e necrose no fígado. Puta… Balancei. No pâncreas! Tremi, me senti mal, meu mundo caiu, pensei: É o fim, prezado Freitas. Deu pra ti, camarada! O que temia há 40 anos se tornou realidade. Dei um tempo. Recuperei-me. E perguntei ao oncologista: Quanto tempo de vida? Entre seis meses e dois anos! Respondeu na hora, insensível e habituado às dores alheias. O que devo fazer? Extirpar os tumores por meio de cirurgia, a fim, talvez, de prolongar a vida, respondeu: Tchau e benção!

Dei entrada ao hospital dia 1º de janeiro de 2012, com cirurgia marcada para a manhã seguinte. No íntimo se digladiavam a esperança, a desesperança, o medo e um vago sentimento de aceitação do inevitável. Fiquei novehoras na mesa de cirurgia. Extraíram o tumor e o que restava do estômago, a cauda e a cabeça do pâncreas, o baço, e rasparam a necrose do fígado. Acordei e percebi que continuava no mundo dos vivos. Por pouco tempo. Deu rolo. Intercorrências nas cirurgias. Abriram-me mais cinco vezes consecutivas e instalaram um dreno no fígado para filtrar o excesso de bílis. Fui indo, dois, três dias… Bactéria estava à toa na vida e decidiu infectar-me.

Peguei infecção hospitalar das bravas. Dê-lhe litros de antibiótico e parará. A coisa piorou, choque séptico, falência de órgãos múltiplos… Adeus mundo! Quinze dias em coma! Caixão e sepultura prontos, família conformada, médicos nem aí para mais um caso perdido (aqui é força de expressão, “licença poética”). Acordei! Vi três rostos em forma de santa – não lembro a ordem: minha mãe, minha companheira, minha irmã caçula. Acordei do coma para espanto geral – milagre! –, permaneci três meses no hospital, perdi 30 quilos, voltei pra casa – milagre! A enfermidade foi superada, estou limpo  há 11 anos e 25 dias, completados hoje, 26 de setembro de 2023. Não tenho estômago, partes do pâncreas, o baço, a vesícula, a aparência e a energia de outrora…

Nesses quase 12 anos de recuperação física e mental, ganhei sobrevida, 15 quilos (meu peso oscila entre 52 e 55 Kg), paz, tranquilidade, tempo para escrever, certa lucidez, aposentadoria por invalidez, uma coluna política três vezes por semana no centenário Diário Popular (desde 2014 até dezembro de 2020), e uma vida praticamente normal – sem sequelas graves. Ainda que sobre mim paire a sombra do medo da recidiva. Entre 2014 e 2015 escrevi o romance Homo Perturbatus, publicado em 2016, reeditei Amáveis inimigos íntimos, em 2017, Odeio muito tudo isso, em 2019, e publiquei o romance Ninguém em 2020. Enquanto isso, Confissões de um cadáver adiado maturava na mente e no espírito, à minha revelia, esperando o momento certo para vir à luz. Comecei a escrevê-lo em maio de 2022, após necessária visita à aldeia Campelo, no Norte de Portugal, onde nasceram meus avôs paternos. Concluí a obra em março de 2023. Foi doloroso reabrir velhas feridas, descobrir outras, furtivas. Às vezes, chorava e lamentava meus erros, geralmente a melancolia, a nostalgia e a culpa ditaram o ritmo e as palavras. Fui em frente!

Confissões de um cadáver adiado não é um manual de superação da enfermidade – longe disso. Mas é testemunho inequívoco de que o diagnóstico de câncer – mesmo os considerados irremediáveis – já não é sinônimo de finitude. Tampouco tem a pretensão de “colonizar” o outro, como diz Saramago. O objetivo da obra é compartilhar experiências, plantar esperança, mostrar a ambiguidade, a imperfeição e a mesquinhez do ser. Há outros. Diversos.  Descubra-os!

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Anatomia de uma queda, o vencedor da Palma de Ouro. Por Déborah Schmidt

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 Samuel (Samuel Theis) é encontrado morto na neve do lado de fora do chalé isolado onde morava com sua esposa Sandra (Sandra Hüller), uma escritora alemã, e seu filho Daniel (Milo Machado Graner), de 11 anos, com deficiência visual. A investigação conclui se tratar de uma “morte suspeita”, pois é impossível saber ao certo se ele tirou a própria vida ou se foi assassinado. Sandra é indiciada e acompanhamos seu julgamento que expõe o relacionamento do casal. Entre o julgamento e a vida familiar, as dúvidas pesam sobre a relação da mãe com seu filho.

Com um começo instigante, Anatomia de uma Queda coloca dúvidas na cabeça do espectador: Samuel caiu acidentalmente do chalé ou cometeu suicídio? Ou será que foi empurrado por Sandra? Ao longo de 2h e meia, o filme desenvolve sua narrativa sem pressa e de forma complexa, focada nos diálogos. A primeira parte explora a investigação e a reconstituição da morte de Samuel, enquanto que na segunda temos o julgamento, com Sandra suspeita e acusada do assassinato do marido, tendo que provar sua inocência com ajuda de Maître Vincent Renzi (Swann Arlaud).

A diretora Justine Triet acerta em cheio ao trabalhar com diferentes versões, sem nunca apresentar uma verdade definitiva e nem respostas prontas. O roteiro de Triet e Arthur Harari, seu marido na vida real, foi uma colaboração perfeita ao explorar a intimidade do casal e a relação, muitas vezes abusiva, entre eles.

Em uma das grandes atuações do ano, Sandra Hüller tem uma performance poderosa. Falando em inglês, com dificuldade em francês e sem poder falar em sua língua materna, ela passa por todas as nuances de sua personagem e, ao lado do jovem Milo Machado Graner, conferem à narrativa uma profundidade impressionante.

Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes e forte candidato ao Oscar, Anatomia de uma Queda é um angustiante estudo de personagens que desvenda as complexidades das relações humanas.

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