O que deu no Dalai Lama de esticar a língua para fora e pedir a uma criança para chupá-la? Vi nos sites de notícia. O vídeo mostra que o budista de 87 anos beijou a criança na boca.
O gabinete do líder espiritual tibetano divulgou nota: “Sua Santidade deseja se desculpar com o menino e sua família, e seus muitos amigos no mundo, por qualquer dor que tenha causado.”
Sua Santidade… cof cof.
Sei lá o que deu no Dalai! O que sei é que precisamos admirar o outro, porque carecemos de referências. Precisamos disso, e o fazemos: elegemos pessoas para admirar, projetamos nelas nossas expectativas.
O episódio, porém, faz pensar nos limites da idealização dos outros e, também, na relação das pessoas-mito com seu íntimo, no custo de viver idealizado.
Já notei que, à certa altura, aquelas pessoas surpreendem com atos opostos à sua conduta de toda uma vida, causando-nos desconforto. Lembra do rabino Henry Sobel?
Ninguém imaginaria, mas Sobel, homem que peitou a ditadura militar, podia furtar. Mesmo religioso, furtou gravatas em uma loja em Nova York. Fichado, sua imagem correu o mundo, caiu em desgraça e morreu sem se reabilitar.
Outros exemplos ligeiros…
Atleta, Ronaldo fenômeno, que vivia em companhia de beldades femininas, um dia contratou travestis para uma noitada, expondo-se à divulgação pública de suas preferências sexuais.
Ainda no campo esportivo, Zidane: com uma carreira elegante em todos os sentidos, deu uma cabeçada no peito de um adversário, em sua última partida numa Copa, ruindo a imagem de ‘príncipe’.
Na política, Lula, pai dos pobres, foi parar na cadeia, condenado por corrupção. Fora dela, visto como Mandela, disse que “só vai ficar bem quando f…. Moro.”
Há muitos outros exemplos assim.
Mitos, de repente, chocam a plateia com atos que os devolvem ao mundo. É um adeus às aparências. Como se não aguentassem mais corresponder, expõem-se para serem julgados como gente de carne e osso.
É Freud puro: o reprimido aflora quando o controle do vigilante Superego sobre o ID falha por fadiga. Paradoxalmente, depois do “julgamento”, eles se tornam livres. Já nós, nos sentimos como “condenados” pelo engano de tê-los imaginado como queríamos.
John Lennon, que agora me vem, foi um caso dramático. Visto como guru, um dia, já rico, se encheu daquilo, escreveu e cantou “O sonho acabou” e deu tchau.
Na letra da música, Lennon diz que não acredita em nada, dando a entender que os Beatles e os anos 60 foram só uma grande onda, que só acredita nele e na mulher, Yoko. Tempos depois um seguidor rondou o edifício onde morava e o matou. A última palavra ficou com o antigo admirador: agora, sim, o sonho terminou.