Parte do maior evento cinematográfico do ano (sim, o Barbenheimer), o live-action da boneca mais famosa do mundo, criada por Ruth Handler em 1959, Barbie cativa ao misturar nostalgia e humor, em uma história que a atualiza e a humaniza e, principalmente, que diverte e emociona.Barbie (Margot Robbie) vive na Barbielândia, um mundo mágico onde diferentes Barbies assumem posições de poder, enquanto os Kens simplesmente existem.
A protagonista começa a perceber que talvez sua vida não seja tão perfeita assim, questionando-se sobre o sentido de sua existência. Orientada pela Barbie Estranha (Kate McKinnon), ela decide fazer uma jornada ao Mundo Real, em uma viagem na companhia do namorado Ken (Ryan Gosling). Porém, ambos terão visões completamente diferentes sobre o que o Mundo Real representa. Além disso, a história envolve os chefões da empresa Mattel (liderados por Will Ferrell) e sua secretária executiva, Gloria (America Ferrera), que, por sua vez, tem uma rebelde filha adolescente, Sasha (Ariana Greenblatt).
Conhecida por acrescentar um olhar feminino e moderno em suas produções, a direção é da talentosa Greta Gerwig, de Lady Bird (2017) e Adoráveis Mulheres (2019), com o roteiro dela junto com o parceiro Noah Baumbach. Ambos já trabalharam juntos em Frances Ha (2012) e Mistress America (2015), protagonizados por Gerwig.
Como uma aventura de amadurecimento que coloca ingenuidade e perfeição em lados opostos, o longa ainda adiciona a indigesta questão do sexismo presente na nossa atualidade. Além de uma mensagem forte para mulheres, o filme também traz espaço para que os homens reflitam sobre as consequências da masculinidade tóxica na sociedade.
O texto afiado culmina em um monólogo devastador, daqueles que dá vontade de levantar e aplaudir de pé.Com carisma de sobra, Margot Robbie cria uma Barbie Estereotipada perfeita, entregando doçura e sinceridade e retratando com sensibilidade o despertar de sua personagem. Ao seu lado, Ryan Gosling rouba a cena como o Ken protagonista.
Engraçado e dramático na medida certa, são dele os melhores momentos do filme, incluindo um número musical que explora as frustrações de Ken. Como a humana que possui uma conexão especial com a Barbie, America Ferreira interpreta uma das personagens mais fundamentais da narrativa, além do discurso poderoso que define o filme.
No excelente time de coadjuvantes vemos ainda Kate McKinnon, Issa Rae, Rhea Perlman, Michael Cera, Will Ferrel, Simu Liu, Ncuti Gatwa, Kingsley Ben-Adir e a narração de Helen Mirren.Além da direção impecável, Greta Gerwig nos presenteia com um mundo visualmente perfeito e exagerado, seja na direção de arte, fotografia e também nos figurinos.
Em uma trama que fala sobre escolhas e mudanças, que discute relações políticas e sociais, patriarcado e feminismo, a verdade é que embarcamos em uma jornada emocionante de autodescoberta. Para os cinéfilos, vale ficar atento às inúmeras referências, de filmes como O Mágico de Oz, 2001: Uma Odisseia no Espaço, Matrix e Monty Python em Busca do Cálice Sagrado, musicais como Grease, Cantando na Chuva e Os Embalos de Sábado À Noite e na arquitetura dos filmes de Jacques Tati.
Um espetáculo à parte, a trilha sonora de Mark Ronson e Andrew Wyatt, vencedores do Oscar de Melhor Canção Original por “Shallow”, em 2019, é dançante e irresistível.
Em Barbie The Album, temos um repertório de músicas que reúne artistas como Dua Lipa, Tame Impala, HAIM, Charli XCX, Lizzo, Sam Smith e Khalid, além de uma versão atualizada do hit do Aqua, “Barbie Girl”, com Nicki Minaj e Ice Spice, que ganhou o título “Barbie World”. A minha favorita, entretanto, é a canção que finaliza o filme, “What Was I Made For?”, da cantora Billie Eilish. Uma das faixas de destaque do álbum é “I’m Just Ken”, interpretada pelo próprio Ryan Gosling e que conta com as participações de Slash, o lendário guitarrista do Guns N’ Roses, e também de Wolfgang Van Halen e do baterista Josh Freese, atualmente do Foo Fighters.
Barbie é sim um filme feminista. Mas não é só isso: é engraçado, inteligente, criativo, emocionante e debochado. Com atuações espetaculares, um visual colorido e de encher os olhos e com Greta Gerwig em seu auge, é um filme necessário. E imperdível.
Napoleão passa por diferentes décadas da vida de Napoleão Bonaparte (Joaquin Phoenix), na turbulenta França após o fim da monarquia. Sua rápida e implacável ascensão a imperador é vista através de seu conturbado relacionamento com Josephine (Vanessa Kirby), sua esposa e verdadeiro amor.
Vindo do nada como um oficial de artilharia do exército francês durante a Revolução Francesa, o filme retrata sua jornada, até ser derrotado e exilado na ilha de Santa Helena. O longa retrata diversos momentos históricos, como a decapitação de Maria Antonieta até a invasão do Egito, quando permitiu que seus exércitos utilizassem as pirâmides de Giza como alvo para treino de pontaria.
Dirigido por Ridley Scott, responsável por produções inesquecíveis ao longo de quase 50 anos de carreira como Alien – O 8° Passageiro (1979), Blade Runner: O Caçador de Androides (1982), um dos meus filmes favoritos, Thelma & Louise (1991), Gladiador (2000), O Gângster (2007), Perdido em Marte (2015), O Último Duelo (2021) e muitos outros. O diretor constrói épicos como poucos, com grandiosas e impressionantes cenas de batalha. Em Napoleão, a ascensão e queda de Bonaparte nos altos escalões do governo francês é intercalada por importantes conflitos como o cerco de Toulon, as invasões à Rússia e a investida contra os ingleses em Waterloo.
O roteiro de David Scarpa traz um protagonista nostálgico, constantemente avaliador da própria vida, narrador de cartas sentimentais e dependente emocionalmente da esposa. Tecnicamente excelente, a fotografia de Dariusz Wolski aposta em sequências que enfatizam paisagens belíssimas e no vermelho-sangue das batalhas. Porém, o filme dilui as competentes cenas de ação em uma montagem confusa, que apresenta a vida de Napoleão de forma apressada e sem o devido contexto.
Com duas horas e meia, já foi anunciado um corte do diretor com 4 horas de duração que será exibido no streaming, o que explica os cortes na edição. Aliás, a trama foi bastante criticada no que diz respeito aos dados históricos retratados no filme, no entanto, a precisão histórica não pareceu uma preocupação para Ridley Scott. Prefiro deixar essa questão para os historiadores, meu assunto aqui é apenas o cinema.
Entre glória e fracasso, Joaquin Phoenix apresenta um homem falho e humano, que, entre estratégias brilhantes contra britânicos e russos, encontrou na esposa o relacionamento que assombrou sua vida. Afinal, o fato de Josephine não conseguir lhe dar um filho, um símbolo da continuidade de um império, desempenhou um papel fundamental na relação entre os dois. A química entre Phoenix e Vanessa Kirby é perfeita, com a atriz roubando a cena e sendo um dos grandes destaques da produção.
“França, exército e Josephine”, foram as últimas palavras proferidas por Napoleão Bonaparte antes de morrer. Possivelmente, as únicas três coisas que amou na vida. O filme faz questão de trazer essa passagem ao término de Napoleão, resumindo a produção nessas três palavras.
Em cartaz, Napoleão retrata o líder e estrategista militar com um olhar nostálgico e humanizado e, portanto, com falhas. Um épico que merece ser visto, preferencialmente, no cinema.
O escritor e jornalista Luiz Carlos Freitas autografa na próxima quinta-feira (30), a partir das 18, na Livraria Mundial, seu novo romance: Confissões de um cadáver adiado. Freitas mergulhou no trabalho durante um ano até bater o ponto final.
O romance tem como ponto de partida e chegada a própria vida do autor, que sobreviveu a uma sentença que parecia de morte.
O prefácio fala por si:
Realidade e ficção na hora da morte Amém!
Sou filho do povo pobre e escravizado, a literatura me libertou e salvou. Perambulei por aqui e ali, encontrei guarida, força e sobrevivência financeira no jornalismo, oásis e alegria no ofício de escrever romances de cunho social, em paralelo, nas horas roubadas ao lazer e ao convívio familiar. Escrever me bastava, ser famoso e ganhar dinheiro não me atraia – expulsar fantasmas íntimos era o objetivo. Até que, no final de abril de 2011, ocorreu o que eu previa desde quando perdi meu pai, em 1973, aos 43 anos, vitimado por câncer no estômago e metástase no fígado.
Eu trabalhava na conclusão do romance MoriMundo e, em função de desconforto gástrico, fui me consultar. Desconfiança do médico, endoscopia, diagnóstico de enfermidade anunciada: tumor maligno de 2,5 cm (a mesma doença paterna) no Piloro (parte do estômago). Solução? Cirurgia. Pra ontem! Fui operado dia 13 de maio de 2011. Tudo certo! Extraíram o tumor e parte do estômago – deram-me como curado. Milagrosamente. Sem metástases. Tirei o prêmio da Mega Sena. Hurras! Vivas! Safei-me. Em julho dispensei o auxílio-saúde do INSS, voltei ao trabalho e à conclusão do MoriMundo, com a responsa de retornar a consultar-me com o oncologista em novembro, já com a tomografia em mãos.
Terminei o livro e o publiquei em setembro daquele ano. Ufa! Em novembro fiz a “Tomo” e me apresentei ao médico, pacificado, tranquilo, sem nada a temer. Choque! De alta voltagem! O cara leu o laudo do exame e me disse na lata: Problemas! Novo tumor no estômago, outro no pâncreas, um terceiro no baço e necrose no fígado. Puta… Balancei. No pâncreas! Tremi, me senti mal, meu mundo caiu, pensei: É o fim, prezado Freitas. Deu pra ti, camarada! O que temia há 40 anos se tornou realidade. Dei um tempo. Recuperei-me. E perguntei ao oncologista: Quanto tempo de vida? Entre seis meses e dois anos! Respondeu na hora, insensível e habituado às dores alheias. O que devo fazer? Extirpar os tumores por meio de cirurgia, a fim, talvez, de prolongar a vida, respondeu: Tchau e benção!
Dei entrada ao hospital dia 1º de janeiro de 2012, com cirurgia marcada para a manhã seguinte. No íntimo se digladiavam a esperança, a desesperança, o medo e um vago sentimento de aceitação do inevitável. Fiquei novehoras na mesa de cirurgia. Extraíram o tumor e o que restava do estômago, a cauda e a cabeça do pâncreas, o baço, e rasparam a necrose do fígado. Acordei e percebi que continuava no mundo dos vivos. Por pouco tempo. Deu rolo. Intercorrências nas cirurgias. Abriram-me mais cinco vezes consecutivas e instalaram um dreno no fígado para filtrar o excesso de bílis. Fui indo, dois, três dias… Bactéria estava à toa na vida e decidiu infectar-me.
Peguei infecção hospitalar das bravas. Dê-lhe litros de antibiótico e parará. A coisa piorou, choque séptico, falência de órgãos múltiplos… Adeus mundo! Quinze dias em coma! Caixão e sepultura prontos, família conformada, médicos nem aí para mais um caso perdido (aqui é força de expressão, “licença poética”). Acordei! Vi três rostos em forma de santa – não lembro a ordem: minha mãe, minha companheira, minha irmã caçula. Acordei do coma para espanto geral – milagre! –, permaneci três meses no hospital, perdi 30 quilos, voltei pra casa – milagre! A enfermidade foi superada, estou limpo há 11 anos e 25 dias, completados hoje, 26 de setembro de 2023. Não tenho estômago, partes do pâncreas, o baço, a vesícula, a aparência e a energia de outrora…
Nesses quase 12 anos de recuperação física e mental, ganhei sobrevida, 15 quilos (meu peso oscila entre 52 e 55 Kg), paz, tranquilidade, tempo para escrever, certa lucidez, aposentadoria por invalidez, uma coluna política três vezes por semana no centenário Diário Popular (desde 2014 até dezembro de 2020), e uma vida praticamente normal – sem sequelas graves. Ainda que sobre mim paire a sombra do medo da recidiva. Entre 2014 e 2015 escrevi o romance Homo Perturbatus, publicado em 2016, reeditei Amáveis inimigos íntimos, em 2017, Odeio muito tudo isso, em 2019, e publiquei o romance Ninguém em 2020. Enquanto isso, Confissões de um cadáver adiado maturava na mente e no espírito, à minha revelia, esperando o momento certo para vir à luz. Comecei a escrevê-lo em maio de 2022, após necessária visita à aldeia Campelo, no Norte de Portugal, onde nasceram meus avôs paternos. Concluí a obra em março de 2023. Foi doloroso reabrir velhas feridas, descobrir outras, furtivas. Às vezes, chorava e lamentava meus erros, geralmente a melancolia, a nostalgia e a culpa ditaram o ritmo e as palavras. Fui em frente!
Confissões de um cadáver adiado não é um manual de superação da enfermidade – longe disso. Mas é testemunho inequívoco de que o diagnóstico de câncer – mesmo os considerados irremediáveis – já não é sinônimo de finitude. Tampouco tem a pretensão de “colonizar” o outro, como diz Saramago. O objetivo da obra é compartilhar experiências, plantar esperança, mostrar a ambiguidade, a imperfeição e a mesquinhez do ser. Há outros. Diversos. Descubra-os!