Pelotas e RS
Relembrando o loteamento Mauá
Publicado
4 meses atráson

Conheci o loteamento pelotense do Mauá. Aquele lugar distante onde a menina K., de cinco anos, foi morta por bala perdida. Levado por um amigo, atravessei os trilhos do trem. Para chegar ao destino, passamos pelos bairros Simões Lopes e Ceval, do lado de lá da malha ferroviária.
Olhei em volta: cães e cavalos soltos nas vias. Casebres, alguns em ruínas. Varais ao léu. Lixo empurrado pelos ventos a descampados. Quase ninguém nas ruas. Em certo ponto a estrada de ferro se torna sinuosa e se confunde. Os trilhos trazem perguntas clássicas. De onde viemos? Para onde vamos? Onde estamos mesmo agora?
Eu soube que, de segunda a sexta, as crianças do Mauá se equilibram numa improvisada pinguela de madeira feita por moradores. Olham pros lados e passam sobre os dormentes de mãos dadas. Fazem assim para poder frequentar as aulas, depois que o governador fechou a escola do Mauá. Estudam agora na escola do Simões, também do governo estadual, onde uma fila de coloridas letrinhas ondulantes em um cartaz recebe o visitante assim: “SEJAM BEM VINDOS”.

O prédio é um pouco como as evolutivas letrinhas. Apesar dos calorosos esforços da recepção, sua precária estrutura não nos convence de poder se sustentar muito tempo. Tudo se agravou depois que vereadores aprovaram a cobrança da água por consumo. A conta, então de R$ 50, subiu para R$ 1.000 mensais. Já a verba de manutenção se manteve no mesmo valor, de R$ 3.000 por mês.
Os baixos salários dos professores e da direção continuam atrasados. O numerário dos educadores pinga em conta-gotas, apesar das cobranças do cartão BanriCompras. Bem-vindos à realidade!
O menino A., irmão de K., também morreu de tiro, manejando a arma de um tio. O garoto estudava na escola do Simões. A polícia suspeitou que talvez não tenha se matado porque a arma era uma espingarda, difícil de uma criança manejar. O tio, de 13 anos, a mantinha em casa porque estaria envolvido com drogas, depois de ter abandonado os estudos. Nunca se soube.
A colheita macabra dos irmãos ocorreu num intervalo menor que o período de uma lua. Professora da escola há 10 anos, Lurdes contou que A. foi só um dos 18 alunos que ela viu morrerem ao longo da última década. Todos perdidos, segundo ela, em situações ligadas ao tráfico. Brigas de gangue e acidentes com armas de pais traficantes ou de pais que as mantêm em casa para se defender daqueles, ao alcance da curiosidade das crianças.
“Depois do enterro, continuei chorando. A noite toda”, falou a professora. Ela continua fazendo o papel de psicóloga e orientadora. Uma segunda mãe de alunos cujos pais os abandonam à própria sorte. “Alguns colegas não entendem porque me envolvo emocionalmente com as crianças. Não adianta dizer que passei pelas mesmas dificuldades deles”. Enquanto fala, seus olhos procuram permanentemente contato. Como se as palavras não fossem suficientes.
Lurdes passou a vida no bairro. Quando era menina e estudava na escola onde hoje dá aulas, muitas vezes o primeiro lugar que visitava ao chegar ao colégio era a cantina. A. fazia como ela. Sem a refeição de casa, sua primeira necessidade era matar a fome.
A acolhida à procura ansiosa pela cantina fora dos horários devidos se tornou um gesto humanitário. Já a escola, uma espécie de Cruz Vermelha. Quando faltam alimentos, alguns professores pedem ajuda aos moradores. Por vezes eles próprios trazem mantimentos destinados originalmente às suas famílias. “Dividimos a nossa comida com eles porque consideramos os alunos nossos filhos também”, diz Lurdes.
Algumas crianças que vi denunciam subnutrição. Sinais como a falta de brilho nos cabelos. Rostos que lembram órfãos dos livros de Dickens.
O amigo também estudou na escola do Simões. Conhece todos ali. Fez festa para as crianças. Comeu arroz de leite com elas na cantina. Brincou com professoras. Beijou a cozinheira, que respondeu com sorrisos.
A visita à escola ficou para trás.
A caminho do carro na rua, o amigo apontou o dedo pra cima. “Quando era criança, eu brincava de subir naquela chaminé”. Era uma torre alta, num terreno próximo. Daquelas com escadinha rente, margeando a estrutura. Pertencia a um engenho de arroz. Há muitos anos o engenho fechou as portas. Restou como um escombro. Nascido e criado no Simões, o amigo hoje faz doutorado. Escalou a escadinha até o topo.
Antes de irmos embora, fez questão de me levar ao bar de um amigo de infância para abraçá-lo e jogar conversa. Ali molhamos a garganta. Um pequeno grupo comentava as mortes recentes. Passou ainda na casa de uma tia, irmã de sua mãe, no Simões. Uma senhora de cabelos brancos e pele morena, curtida. Ela ajudou a criá-lo.

Se o Simões e o Ceval são ermos e hostis, o Mauá é um lugar esquecido. Uma espécie de Terra no Nunca que ninguém quer visitar.
Caminhamos um bom tanto por um circuito de estradinhas de terra. É ali que brincam, acordam e adormecem as crianças do lugar. Do outro lado dos comboios de vagões, a escola do Simões é para elas o paraíso. Em todo canto há súplicas no ar, como as letrinhas coloridas saudando o visitante com boas-vindas na escola do Simões.
* Publicado originalmente em 2017.
Jornalista. Editor do Amigos. Ex-funcionário do Senado Federal, do Ministério da Educação e do jornal Correio Braziliense. Prêmio Esso Regional Sul de Jornalismo. Top Blog. Autor do livro Drops de Menta. Fã de livros e filmes.

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Eleições 2024
Motivos que podem fazer Daniel Trzeciak não concorrer a prefeito
Publicado
2 dias atráson
01/12/23Por
Da Redação
Está longe, mas, como as especulações eleitorais começaram, não é descabido considerar que o deputado federal Daniel Trzeciak, do PSDB, possa não concorrer a prefeito de Pelotas em 2014.
Pelos seguintes motivos:
1. Os eleitores não gostam de políticos que abandonam mandatos no meio. Além disso, a região perderia seu único representante no parlamento, logo ele, responsável por trazer grande quantidade de verbas de emendas para hospitais, obras etc.
2. O salário de deputado é de R$ 41,6 mil. O de prefeito, R$ 15 mil.
3. Prefeitura está com déficit grave nas contas públicas. Somados o déficit de 2023 e o previsto em lei para 2024, dá um acumulado de R$ 400 milhões, um quinto do orçamento público anual da cidade, de R$ 2 bilhões.
4. O clima de Brasília, seco, segundo orientações de saúde, é mais favorável à filha do deputado, de um ano de idade, do que o úmido clima pelotense.
Pelotas e RS
Prefeita insiste e vai recorrer contra decisão judicial que suspende projeto de lei que autoriza Associação Rural a construir empreendimento imobiliário
Publicado
3 dias atráson
30/11/23
A pedido da prefeita Paula Mascarenhas, a Procuradoria do Município vai recorrer judicialmente para manter em curso na Câmara um projeto de lei do Executivo que autoriza a Associação Rural de Pelotas a construir um empreendimento imobiliário sobre um terreno de 25 hectares (igual ao tamanho de 25 campos de futebol profissional).
A Procuradoria vai alegar que, pela Lei 948, de 1959, o terreno está doado pelo Município à entidade. É verdade. Porém, com base na mesma lei citada, o juiz Bento Barros suspendeu nesta semana o trâmite do projeto de lei. Ele se assenta no seguinte argumento presente na mesma Lei 948:
“A legislação mencionada estabelecia que a sociedade beneficiária (Associação Rural) não poderia alienar o imóvel ou parte dele em nenhum momento, sob pena de caducidade da doação e retorno do imóvel, juntamente com todas as benfeitorias existentes, ao patrimônio do Município de Pelotas. Portanto, até o momento, o direito de dispor e reaver o imóvel é do Município de Pelotas, integrando o seu patrimônio.
Estima-se que o terreno valha ao redor de R$ 100 milhões. A prefeita quer abrir mão do terreno em favor da Rural, em vez de vendê-lo. Na prática, por alguma razão incompreensível, quer dar o terreno.
Um negócio assim, se consumado, seria típico do Brasil, possível graças à mão caridosa e amiga do Estado. Pior é que o projeto de lei do Executivo autorizando a transação já tinha passado numa comissão da Câmara. Vereadores, que no papel são fiscais do interesse público, estão apoiando.
Ainda falta muito para o Brasil ser uns Estados Unidos, onde o empreendedorismo é tão admirado pelos nossos liberais. Se é que seria possível uma empreitada semelhante.
Decisão surpreendente a da prefeita!

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