Mesmo quebrada, com um déficit previsto de R$ 284 milhões no orçamento de 2024, a prefeitura resolveu aceitar projetos de “Estátuas Vivas” para receber verba do Procultura (fundo local de financiamento à Cultura). Estão destinando dinheiro de impostos para pessoas ficarem paradas no passeio, fantasiadas. Pagando por essa hipnótica atividade.
É uma inovação! Um sinal do nosso ímpeto criativo.
Antigamente, quando um policial via alguém parado num logradouro, dizia “circulando, circulando”. Hoje, uma pessoa parada na rua, se estiver vestindo uma fantasia, é considerada artista.
Mesmo que pareça, a cultura não é algo estático, evolui com o tempo. Não é difícil imaginar a quantidade de projetos de novas estátuas vivas que tendem a surgir depois da porteira aberta pelo poder público.
Se a procura pelo Fundo for grande, como tende a ser, e o financiamento, crescente, há potencial de virar uma atração turística, um irresistível apelo para visitas a monumentos vivos, com ônibus lotados saindo de várias cidades para virem ver com os próprios olhos. Pode inclusive, com a passagem do tempo, vir a se tornar uma nova atividade econômica, tendo o Estado como indutor do capital humano pelotense. Com tantos talentos e tantas faculdades, seguramente não faltariam trabalhadores aptos.
Reconhecida como Patrimônio Histórico Nacional, por seus belíssimos casarões e teatros neoclássicos, erguidos no tempo em que carneávamos bois e salgávamos a carne, depois vendida pelos charqueadores como alimento para escravos do Brasil todo, Pelotas é – ainda – a Capital Brasileira do Doce, nosso mais reluzente título. Daqui a pouco angariamos um novo: Capital Nacional das Estátuas Vivas. Para funcionar, porém, nem todos poderiam parar.
Além de garantir a prestação de serviços essenciais, alguém precisaria ao menos continuar a preparar os doces, alocá-los nas vitrines, e pessoas a mover-se para comê-los. Afinal, para bancar a paralisia, os impostos precisariam continuar entrando.
Estamos longe de ser um Vale do Silício, mas é rigorosamente um tolo quem subestima a perícia da doçaria portuguesa – o poder de um quindim, a força motriz de uma panelinha, o fascínio de uma estátua, principalmente viva, em honra da cultura luso-pelotense do gozo sensorial público. Se houvesse um Proust em Pelotas, uma mordida num docinho, ou mesmo numa costela gorda, daria uma obra de 5 mil páginas de memoráveis evocações em busca do tempo perdido.
Se a ideia das estátuas prosperar, gostaria de sugerir uma estátua viva de Napoleão, aos pés do Coronel Pedro Osório, na praça do mesmo nome, hoje depredada, porém perfeita como locação para um filme gótico – quem sabe não está aí uma nova indústria! (tantos parques, tantas estátuas e tantos castelos abandonados). Mão no Bolso e Mão no Colete, nalguma cavidade. Pelo vasto contingente de guerreiros dispostos à galeria, o apelo militar faz sentido. Promete.