As cerimônias pelotenses ocorrem por razões de vulto, mais raras, como o anúncio de uma licitação de ônibus pela qual uma cidade esperou décadas, mas também por muitas coisas triviais, como a entrega de chaves de uma viatura ao motorista que vai dirigi-la, com a autoridade estendendo as chaves ao condutor enquanto o fotógrafo oficial registra tudo.
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Em Pelotas, essa “tradição” é uma constante, às vezes incluindo um elemento antigo, em geral reservado ao fim: o som apaziguador de uma bandinha de música.
Prefeita Paula disse que o bate-boca entre ela e a moradora do Barro Duro foi a primeira ocorrência do tipo em que se viu envolvida, que ela em geral é bem recebida nas cerimônias. É vero. Até onde a memória alcança, não há registro de altercação semelhante em seu mandato.
Em termos de protesto, porém, seus ouvidos já ouviram vaias, como nesta semana, quando parte do público presente à reinauguração do ginásio do Colégio Pelotense, vaiou-a, e ao governador, ao ponto de este dedicar algumas palavras aos manifestantes, dizendo o que se diz nessas ocasiões, “que vaia faz parte da democracia”.
Em geral vaias incomodam menos porque, conjuntas, diluem os rostos e as identidades (como nos coros gregos), algo muito diferente do que ocorreu no Barro Duro.
Despersonalizada do indivíduo, a vaia da multidão é uma manifestação proporcional ao modo de ser do político, que se compromete com todos, e, assim sendo, não se compromete com ninguém em específico.
Daí o valor do acontecido no Barro Duro, onde essa distância foi anulada pelo bate-boca frontal.
Ali, no Barro Duro, uma mulher do povo, com um braço ocupado por uma garrafa térmica e uma cuia de chimarrão, foi capaz de fazer com que uma professora da Academia descesse os degraus de seu doutoramento em Letras Francesas até alcançar o básico fundamental.
O episódio também foi inédito por esse aspecto.
Não há “educação e boas maneiras” que resistam totalmente à realidade dos “barros duros”.
Já vimos que a prefeita tem razão quando diz que, em geral, a receptividade às autoridades locais nos eventos é boa, ao menos sem atritos. Justamente levando em conta essa tranquilidade, é que o ocorrido merece a consideração de um analista.
Não é porque o público em geral é cordato nos eventos oficiais que a realidade seja perfeita. Obviamente ela não é perfeita, está longe disso. Portanto, as autoridades talvez devessem estender suas cotas de tolerância.
Sem querer, uma campanha publicitária da prefeitura parece resumir o ocorrido.
A campanha diz “Ninguém sabe o que é calçar os sapatos do outro”, e busca, ao que parece, obter a simpatia dos pelotenses aos servidores do Sanep.
A professora nunca calçou os sapatos da moradora e vice-versa. O máximo possível foi o que vimos, as duas subindo nos tamancos.
Paris foi cenário de revoluções de reflexos mundiais. Já Pelotas, por causa da nossa geografia e acanhamento, por mais que o tecido social se revolva, jamais conhecerá um Maio de 68.
Por isso o bate-boca no Barro Duro é tão significativo.
Ele é a expressão máxima que veremos aqui em termos de inconformismo popular com governantes, cuja obsessão por holofotes os fez levar ao Barro Duro a assinatura de um contrato de iluminação de rua pelo qual os moradores esperam há 10 anos.
Talvez tenha sido esse o motivo de tudo. Apesar da boa notícia, uma impaciência com uma cerimônia em descompasso no tempo. Ainda por cima, com direito a discursos oficiais.
Quando a moradora protestou e a prefeita respondeu que se não estavam gostando, que levaria benefícios para outros pontos da cidade, a moradora, em quem a paciência era pouca, acabou.
Nesse ponto já era tarde.
A prefeita havia perdido a paciência também.
O fato da semana numa frase
Perguntas no ar sobre discussão entre moradora e prefeita
Paula sobre briga: ‘Pedi desculpas, mas estavam ali para agredir’
Ainda a discussão entre uma moradora e a prefeita
Vídeo: Paula discute com moradora no Balneário dos Prazeres