Ícone do site Amigos de Pelotas

Eu e meus pronomes. Por Eduardo Affonso

[Nunca pensei que “virar tendência” fosse aparecer num texto meu, mas é perfeito para o caso; então, vamos lá.]

Virou tendência ter que informar “quais são os seus pronomes”, para deixar claro como alguém quer ser chamado.

Meus pronomes sempre foram os 𝗽𝗲𝘀𝘀𝗼𝗮𝗶𝘀 (eu, tu, ele / ela, nós, vós, eles / elas; me, mim, comigo; a, lhe, se, si, consigo), os 𝗱𝗲 𝘁𝗿𝗮𝘁𝗮𝗺𝗲𝗻𝘁𝗼 (você, Vossa Senhoria, Vossa Excelência), os 𝗿𝗲𝗹𝗮𝘁𝗶𝘃𝗼𝘀 (o qual / a qual, cujo / cuja), os 𝗱𝗲𝗺𝗼𝗻𝘀𝘁𝗿𝗮𝘁𝗶𝘃𝗼𝘀 (este /esta, esse / essa, aquele / aquela, aquilo), os 𝗽𝗼𝘀𝘀𝗲𝘀𝘀𝗶𝘃𝗼𝘀 (meu / minha, seu / sua, nosso / nossa), os 𝗶𝗻𝗱𝗲𝗳𝗶𝗻𝗶𝗱𝗼𝘀 (algum / alguma, nenhum / nenhuma, outro, outrem, cada, algo, vários, quanto, qualquer) e os 𝗶𝗻𝘁𝗲𝗿𝗿𝗼𝗴𝗮𝘁𝗶𝘃𝗼𝘀 (quem, que, qual, quanto).

[Dentro de cada par de parênteses, favor incluir um “etc.”, porque esses aí são só uma amostra.]

Pois não é que, quando temos que escolher, as opções que surgem são “ele / dele”, “ela / dela”, “elu / delu” etc.?

Desde quando “dele”, “dela” e (valei-me São João Nepomuceno!) “delu” são pronomes?

“Dele”, “dela”, “deles”, “delas” e quaisquer variações que vierem a se estabelecer no idioma são grupos preposicionais – formados da preposição “de” + pronome pessoal de terceira pessoa do singular ou do plural (de + ele, de + ela etc.).

Caetano Veloso já alertava, em “Língua” (canção de 1984): “Ouçamos com atenção os “deles” e os “delas” da TV Globo”. Não, a culpa não é da Globo, mas ela ajudou a disseminar coisas como “ele e o pai dele”, em detrimento de “ele e seu pai”.

Tudo bem que “seu” e “sua” tenham lá sua carga de ambiguidade.

— Marilice, vi Lucimar com seu marido.

— Com o meu marido? Essa biscate me paga!

— Não, ela estava com o seu marido, o marido dela…

— Ah, tá. Formam um lindo casal, não?

Os grupos preposicionais (dele, dela etc) têm valor de possessivo e devem ser usados para evitar mal-entendidos, como o do quase adultério acima.

Nessa história dos “meus pronomes”, a intenção é deixar claro ao interlocutor qual o tratamento adequado – se no masculino, no feminino ou num neonato neutro. Mas ninguém vai usar “dele” ou “dela” para se referir à pessoa com quem se fala.

— Bom, dia, Juracy (nome fictício)! Que prazer! Quais são os seus pronomes?

— Ele e dele, por favor.— Ah, ótimo! Li o livro dele e achei lindo.

— Dele quem?

— Dele você.

— Como assim?

— Você não disse que seu pronome é “dele”?

— “Dele” meu.

— Sim, eu quis dizer “dele” seu, não “dele” dele.

— Ah, tá. Que bom que você gostou.

E essa questão “ele / dele”, “ela / dela” etc., em vez de ser inclusiva, pode gerar opressão.

Quem garante que Darcy (nome fictício) não queira ser tratado com o pronome pessoal masculino (“ele”), mas se sinta mais confortável com o possessivo no feminino (“Tenho uma possessividade mais feminina, entende?”) e o demonstrativo neutro (“Funciono melhor na base do ‘ou isso ou aquilo’, sabe como?”)?

Então, assim como a sigla GLS virou LGBTQI+, o “Quais são os seus pronomes” deveria ser “Quais são os seus pronomes pessoais, de tratamento, relativos, demonstrativos, possessivos, indefinidos e interrogativos, e [pausa para tomar fôlego] seus grupos preposicionais?”

Porque, se é pra fazer, então faz direito.

Sair da versão mobile