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Opinião

Sobre a polêmica Efeito Estufa e Mario Quintana

Reduzir o consumo de carne e arroz é uma proposição simplista para o problema da sobrevivência humana, incluindo a imediata. É como o lockdown. Lockdown não é solução científica. É uma proposta elementar: há um monstro lá fora, tranquemo-nos em casa

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Última atualização: 12h09 de 27/04 |

Nos últimos dias uma polêmica envolveu a escola Mario Quintana. Explicando o fenômeno do Efeito Estufa, um professor listou que uma das formas de amenizar o acúmulo de gases que provocam o aquecimento do planeta seria, entre outras, “diminuir o consumo de carne e arroz.” Alguns pais de alunos consideraram a sugestão um ataque à pecuária e à orizicultura, que compõem a matriz econômica da região.

O fundador da escola, professor Carlos Valério, assinou então uma nota pedindo desculpas pelo que considerou “uma colocação infeliz, desprovida de fundamentação teórica, técnica e científica.” A polêmica ganhou escala nas redes sociais, onde pessoas criticaram o fundador. Algumas, entre elas acadêmicos defensores do ensino público, acusando-o de negacionismo. Houve também quem o defendeu.

A relação entre aquecimento global e economia é complexa. Sim, é verdade: por arroto e flatulência, rebanhos geram metano, um dos gases que causam o Efeito Estufa. Tanto é verdade que pesquisadores em vários países buscam soluções para reduzir as emissões da pecuária e da agricultura, com o objetivo de mantê-las sustentáveis no ambiente. Uma simples pesquisa na internet comprova várias iniciativas nesse sentido, algumas em teste, inclusive na empresa brasileira JBS, maior produtora de proteína animal do mundo.

Já o problema do arroz não é com o cereal em si, mas com o adubo nitrogenado usado no plantio: o nitrogênio se reúne ao oxigênio, produzindo gases Estufa. Outro fator de aquecimento é provocado pelo alagamento da lavoura. As raízes do arroz liberam compostos orgânicos – e bactérias no solo os transformam em metano. O alagamento contribuiu para proliferação dessas bactérias. Não é o arroz que produz metano, mas sim as bactérias que proliferam no alagamento da lavoura.

Ciência com inteligência

A Ciência trabalha por soluções inteligentes para o problema do aquecimento, considerando, como deve fazer a Ciência, o conjunto das dificuldades: cuidando para não inviabilizar uma cadeia de produção econômica da qual a humanidade hoje depende. O desafio científico: equilibrar a necessidade humana de proteína e, portanto, de sua produção, com a necessidade de resfriar o planeta ou, pelo menos, de parar de aquecê-lo. Daí todas aquelas pesquisas, algumas já sendo testadas hoje.

Emissão de gases pela agropecuária é uma das fontes do problema do aquecimento. Não é a única. Há ainda as emissões de gás carbônico e de metano derivadas da queima de combustíveis fósseis – e também do desmatamento sem reflorestamento, já que, nessa batida, menos a natureza consegue recaptar carbono.

Nesse cenário, reduzir o consumo de carne e arroz é uma proposição simplista para o problema complexo da sobrevivência humana, incluindo a imediata, que depende da cadeia produtiva. É como o lockdown. Lockdown não é solução científica. É uma proposta elementar: há um monstro lá fora, tranquemo-nos em casa. Isso qualquer pessoa poderia propor. Solução, para ser científica, requer, como aconteceu, encontrar um meio de harmonizar a proteção contra um vírus letal com a manutenção das atividades econômicas, das quais a humanidade também necessita para sobreviver. O mesmo vale para a questão dos rebanhos, “a qual estamos ligados inclusive por laços culturais.

Carros elétricos

O problema global do aquecimento é sério, real. Já agora é possível sentir os efeitos da maior temperatura em vários pontos do planeta. Não por acaso a frota de carros elétricos vem crescendo no mundo, com países assumindo compromissos de zerar a locomoção veicular por combustível fóssil. Foram necessárias décadas de estudos científicos para viabilizar a produção dos veículos elétricos, mas eles estão começando a ocupar as ruas, no rumo de uma mudança no modo de produção do transporte.

Provavelmente chegará o dia em que os nossos hábitos de consumo proteico igualmente mudarão. São desafios de médio e longo prazos com os quais a humanidade vai se defrontando aos poucos. Há muita gente no mundo. Cada vez mais gente, e mais rebanhos. Estima-se que há 7 bilhões de humanos para um rebanho de 1 bilhão de cabeças. Para ter ideia da complexidade dos problemas, daqui a algumas décadas, mesmo que se consiga reduzir drasticamente a emissão de gases Estufa produzidos por rebanhos (e, aliás, por humanos também), o que seria ótimo, talvez falte espaço para essas populações. Mesmo que a população não cresça, como apontam alguns estudos, vastas populações que consumiam pouca proteína passaram a consumi-la em maior quantidade, como na China.

Avanços na produção alimentar

Pode parecer hoje descabido, como pareceu um dia o carro elétrico, mas estudos preveem que nos próximos anos haverá grande avanço material na produção alimentar, incluindo a produção de proteína em laboratório e o uso de proteína dos insetos. Pesquisadores imaginam que, no futuro, em vez de criar boi, frango, produziremos tecido de carne em laboratório para consumo humano. Sim, a proteína de inseto é tão ou mais rica que a de bovinos.

Criados em ambientes assépticos, insetos serão super limpos para consumo humano. Triturados como farinha e recompostos em qualquer formato, ficarão irreconhecíveis na comida. Talvez demore para ganharem mercado, mas estão pesquisando esses alimentos, assim como fizeram com o carro elétrico, hoje uma realidade.

As pesquisas consideram, como sempre, a produtividade. A necessidade de energia, água e insumos para produzir 1 kg de proteína bovina é muito maior do que as mesmas necessidades para produzir 1 kg de proteína de inseto. A massa total de insetos no mundo é maior do que a dos outros animais. Muito mais abundante. Essas tecnologias já estão disponíveis. Para aplicação, precisam de mudança nos costumes. Mudanças que aos poucos vêm ocorrendo, especialmente entre a juventude.

Novas tecnologias vão pressionar ainda mais a emergência do novo mundo ecológico de alta produtividade e desemprego. Em 2050, quem sabe antes, talvez não existam mais postos de gasolina no planeta. Será que um dia o homem deixará de comer carne?

Rubens Amador. Jornalista. Editor do Amigos de Pelotas. Ex funcionário do Senado Federal, MEC e Correio Braziliense. Pai do Vitor. Fã de livros, de cinema. E de Liberdade.

1 Comment

1 Comments

  1. Vinícius Alves Hax

    27/04/22 at 05:24

    Muito elucidativo teu texto meu amigo. Particularmente a proteína de inseto como alimento não me agrada mas aí já é uma questão mais subjetiva.

    Só gostaria de fazer uma ressalva sobre o crescimento populacional: algumas pessoas que se debruçaram sobre o tema traçaram tendências de estabilização ou talvez até diminuição da população humana nas próximas décadas.
    Aos interessados sugiro, por exemplo, a palestra de Hans Rosling sobre o tema: https://www.ted.com/talks/hans_rosling_global_population_growth_box_by_box

    Abraço!

Brasil e mundo

Mundo novo: uma grande confusão

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O mundo tem parecido uma grande confusão. É difícil decifrar o tempo vivendo nele, mas aquela sensação tem a ver com o aumento da produtividade. Em séries antigas de tevê, como Jornada nas Estrelas e Perdidos no Espaço, os personagens não fazem trabalho braçal. Máquinas e robôs fazem tudo. É o que está acontecendo.

Nos últimos 10 anos, a produtividade acelerou muito, assim como o desemprego. Tudo agora é virtual, no celular. Os bancos, os escritórios, dois exemplos, não têm mais quase funcionários. A gente sabia que ia acontecer, como sabe que, logo ali, não se vai mais usar gasolina para mover veículos. De uma hora pra outra a mudança vem, o mundo vira do avesso e revoluciona a vida das pessoas.

Antes a economia era estável, por quê? Porque tudo era essencial. Hoje, com a produtividade alta, a maioria das coisas deixou de ser essencial. Agora compramos uma caneta por achá-la bonita, não porque precisamos dela. Roupas, a mesma coisa. Muitas coisas estão assim. Carros, tendo transporte de aplicativo, pra que comprar? Nesse mundo novo, estamos sendo obrigados a inventar necessidades pra justificar o nosso trabalho. Mais ou menos como o barman que faz malabarismo com os copos pra se diferenciar.

Quando há uma crise, a economia tranca porque 95% das coisas que compramos foi porque nos convenceram a comprar. Não são necessárias, e — ainda mais depois da pandemia — nos demos conta de que passamos muito bem sem elas.

Se a economia tranca e resolvemos economizar, só compramos comida e água; é o que todo mundo faz. Então, a economia tem que ser muito mais bem administrada, para não ter esses solavancos. Tudo mudou, e isso ficou mais claro nos últimos cinco anos. É como a água que vai batendo num castelo de areia, numa hora ele cai.

Nos próximos anos, vão ocorrer mais modificações. Estão tentando obter energia por fusão nuclear. Já estão conseguindo, falta controlar a reação, para poder concentrá-la. Uma quantidade mínima de hidrogênio, elemento mais abundante no universo, se transforma numa quantidade colossal de energia, e limpa. Assim, uma pequena usina — instalada digamos em São Paulo — poderá fornecer energia para todo o Brasil, a custo baratíssimo. Quando controlarem o H, vão acabar as hidrelétricas, acabar a extração do petróleo para uso combustível. Petróleo poderá ser usado ainda, mas na petroquímica (nylon, plástico etc).

Já estão fabricando em laboratório até alimentos ricos em proteína como substitutos da carne, e mais baratos. Daqui 20, 30 anos, áreas onde hoje se planta e há gado vão ficar pra vida selvagem. Vastas áreas serão devolvidas à natureza. Dois terços do Brasil, estima-se.

Outra coisa que vai evoluir é a IA, ela sabe tudo. Pergunte à Alexa. Ela te responde tão rápido, que nem precisa pensar. IA, ela sabe tudo. Pergunte à Alexa. Ela te responde tão rápido, que nem precisa pensar.

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Cultura e entretenimento

Furiosa: uma saga Mad Max. Por Déborah Schmidt

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Considerado por muitos (na qual me incluo) o melhor filme de ação do século XXI, o excepcional Mad Max: Estrada da Fúria finalmente ganha sua aguardada sequência quase uma década depois de seu lançamento. Furiosa: Uma Saga Mad Max é um prequel de Furiosa, onde retornamos às origens da heroína interpretada anteriormente por Charlize Theron.

Novamente dirigido por George Miller, a história segue a jovem Furiosa (Anya Taylor-Joy), sequestrada de seu lar pela gangue de motoqueiros liderada por Dementus (Chris Hemsworth). Logo eles alcançam a Cidadela, dominada por Immortan Joe (Lachy Hulme). Enquanto os dois tiranos disputam o domínio, Furiosa se vê envolvida em uma batalha incessante para retornar ao seu lar.

Nas primeiras cenas do filme vemos a traumática infância da protagonista (vivida por Alyla Browne). Muito antes de chegar à fase jovem, ela passa por todo tipo de sofrimento, sempre calada e totalmente sem saída. A partir dessa premissa, o longa realiza um verdadeiro estudo da futura imperatriz, que precisa se adaptar perante a escassez de uma terra desolada.

George Miller, que também assina o roteiro ao lado de Nick Lathouris, aproveita para expandir o universo de Mad Max, visto que a trilogia original iniciou no final dos anos 1970. Desde então, o australiano narra a derrocada do que sobrou do mundo, o desmanche da sociedade e os indivíduos recorrendo a atos de barbárie para sobreviver, utilizando veículos como máquinas de destruição. A produção acerta ao dividir a trama em capítulos, e a sensação é de que estamos assistindo uma verdadeira odisseia.

O conflito entre Furiosa e Dementus é o grande destaque do filme. Com Anya Taylor-Joy dominando a tela com uma atuação de poucas palavras, densa e absolutamente concentrada no olhar, a atriz também impressiona nas sequências de ação, porém não possui o mesmo carisma de Charlize Theron. Contando com um ótimo trabalho de maquiagem da vencedora do Oscar Lesley Vanderwalt, Chris Hemsworth surge como um vilão exagerado, caótico e levemente cômico.

Com uma fotografia de Simon Duggan menos marcante do que a de John Seale em Estrada da Fúria, a uma trilha sonora do holandês Tom Holkenborg, mais conhecido como Junkie XL, aposta na desordem de uma história grandiosa, ao melhor estilo Mad Max, em perseguições explosivas e cheias de adrenalina.

Mesmo que inferior ao seu antecessor, Furiosa: Uma Saga Mad Max é um filme poderoso. O longa oferece uma visão mais profunda do universo de Mad Max, explorando os desafios enfrentados por uma protagonista arrebatadora. A espera realmente valeu a pena.

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