A história que conta tem nexo com uma segunda, subterrânea, a história de Moby Dick, o famoso romance de Herman Melville.
Melville conta a história do capitão Ahab, que fica obcecado em matar a baleia Moby Dick, porque ela o aleijou. Desde então, anda com uma perna de pau e muletas e, negligenciando os demais aspectos da vida, só pensa em vingar-se de Moby, a grande baleia branca. Matá-la.
No filme A Baleia, o protagonista, Charlie, é um professor de escrita criativa, e fica claro que admira o romance de Melville. O roteiro foi feliz na associação, que encorpou a carga dramática. A equipe soube costurar com delicadeza as duas tramas, fundindo os fundamentos emocionais de ambas.
Charlie, bissexual, foi casado, teve uma filha, mas um dia abandonou as duas para ir viver com um aluno, que morre. Por causa dessa perda, Charlie começa a engordar, a um ponto sem volta de morbidez. Quer morrer também.
Há um paralelo entre Ahab e a filha de Charlie, agora uma jovem cheia de ódio pelo pai, por tê-la abandonado. Um nexo entre a obsessão de Ahab por matar a baleia e o ódio da filha pelo pai, a quem chama de gordo e quer ver morto.
A filha magoada é Ahab. Charlie é a baleia.
No romance, Ahab reencontra Moby Dick e lança-se contra ela com o arpão, mas fica preso nela, enroscado nas cordas dos arpões que atingem Moby Dick. Morre afogado, preso ao objeto do seu ódio, destruído pela própria força vingativa.
Não se pode lutar contra a natureza, é a mensagem do romance de Melville. A natureza tem suas próprias leis. O filme confirma isso, mas mostra que o homem é capaz de remediar as forças naturais, em nome de uma razão superior.
Ele quer morrer, mas não quer que a filha carregue seu ódio pela vida. Deseja que ela se liberte. Daí a famosa frase do filme: “Eu preciso saber que fiz uma coisa certa na minha vida”. No caso, fazer algo por alguém que não ele mesmo.
O roteiro criou uma cena final rápida, mas magnífica: Charlie, mulher e filha estão numa praia. A mulher toma sol, enquanto a filha brinca na areia. Charlie está de pé diante do mar, recebendo, na margem, o impacto das ondas nos pés, como a chamá-lo.
Ele então dá um passo para dentro do mar. Nessa hora, a câmera enquadra os três de cima. É uma cena de uma beleza terrível.
Ali, ele decidira abandonar a família. E, como Moby Dick, se tornaria alvo de ódio.
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“Eu preciso saber que fiz uma coisa certa na vida”, diz o personagem de Brendan Fraser, em A baleia. Papel, enredo e falas calharam para o sentimento pessoal do ator, que, após décadas de carreira mediana, em queda livre nos últimos tempos, ganhou o primeiro Oscar por uma interpretação. Deu tudo de si, e aconteceu: foi retribuído. Tudo se encaixou. Tocantes. A reabilitação. O agradecimento aos que acreditaram nele. As lágrimas e os aplausos. Eis a magia e a beleza da criação artística. Quando acontece o encaixe, arrebata. É irresistível !