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Opinião

A lição da maratonista Gabrielle para o Pacto da Paz

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O Pacto pela Paz proposto para Pelotas pela prefeita Paula Mascarenhas, em andamento, faz pensar em algumas coisas. Muitos já tiveram tempo de notar, por exemplo, que toda “Missão de Paz” coletiva que se preze atinge seu pico mais alto quando fracassa.

É estranho, eu sei.

Eu cheguei a essa conclusão pelos fatos e por uma percepção estética em relação à vida. A mim parecem mais bonitas e dignas as pessoas enquanto se esforçam por algo que exige delas a superação das próprias limitações. Não sou o único a pensar assim.

É no esforço, na luta, que uma pessoa poderá, talvez, com sorte, alcançar internamente uma ideia de paz.

O triunfo de uma pessoa dotada de aptidões predispostas à vitória tem valor infinitamente menor que o de uma pessoa não naturalmente apta a “vencer” e que, mesmo assim, mantém acesas em si suas ambições por se pacificar.

Penso dessa forma porque, para mim, quem se esforça é obrigado a encontrar forças onde não acreditava possível e, se as reservas se revelam insuficientes, parte à procura de estímulos em algum lugar fora de si.

A verdadeira paz é sempre pessoal e intransferível e costuma ocorrer por um instante, em meio a um ambiente geral de derrotas.

É sempre comovente testemunhar alguém que faz tudo que pode, tenta, não alcança, e ainda assim segue tentando um pouco mais e até além da conta. Pode ser um pouco mágico também; em determinado ponto de seu esforço, pode acontecer de a pessoa, de repente, deixar a matéria e se converter em um molde de espírito capaz de ficar registrado na memória como uma lembrança do que há de melhor em nós.

Nessas ocasiões, o que no íntimo se esforçou pode de súbito adquirir algo da aura de um herói mítico. Virar um pouco uma espécie de Ulisses, que passou pelo diabo para voltar para casa, e daí a beleza da história. Ela não é outra senão a luta de todo ser contra os titânicos incitamentos da natureza, que lhe impedem a paz, inclusive os incitamentos de sua própria natureza.

Faço quatro perguntas para explicar o que estou insistindo em dizer.

Você lembra da mais famosa maratonista a VENCER a prova numa Olimpíada? Lembrou? Em seus escaninhos atentos às mais gratas informações, é capaz ainda de lembrar da mais famosa maratonista de Olimpíada a PERDER a corrida? Lembrou desta última, né?

Tenho certo que SIM. (a moça da foto e do vídeo logo abaixo).

Estou certo que SIM porque, ao longo da vida, tive tempo de entender que, na maioria das vezes, é na derrota que reencontramos a nossa humanidade. Ela nos marca mais.

Em cinco de agosto de 1984, Los Angeles, Gabrielle Andersen adentrou o estádio de Santa Mônica City College “torta”, quase desmaiando. A suíça cambaleou desidratada e sofrendo de cãibras durante a volta final do circuito de saibro marcado por divisões brancas.

O público se quedou de pé enquanto ela percorria os metros finais.

Por cerca de cinco minutos a multidão pôde testemunhar com os próprios olhos que a Terra há de comer a brava menina suíça ali, na frente de todos, trôpega, avançando até cruzar a fita da chegada, onde foi amparada pelos médicos.

Gabriele completou a prova em 37º lugar.

2 horas, 48 minutos, 42 segundos.

A vencedora, Joan Benoit Samuelson, cumpriu o percurso em tempo 18 minutos menor, mas foi Gabrielle quem ficou em nosso coração, não Joan.

Ela nos lembrou que “perder com o coração tem mais valor que vencer sem ele”.

A pequena história de Gabrielle é o grande desafio da vida de todos nós.

Não há paz possível porque a gente não se conforma com a dor da limitação. Não há paz que valha a pena que não exija aquele esforço extra capaz de nos fazer transcender.

Se não houver transcendência, não é possível atingir um sentido de paz interior. Nunca uma paz perene, mas ao menos um sentido dela.

A mim parece que seja assim porque, por maior que seja o nosso trivial esforço por ilusões reconfortantes, ainda assim, algo lá no fundo de nós nos avisa, como reflexos de neon sobre poças de chuva, que no fim de todas as bravas e tão heroicas lutas que lutamos, por mais glorioso que tenha sido o nosso esforço, no fim, todos sempre sairemos derrotados.

Creio que a paz coletiva só se realiza totalmente, por algum tempo ao menos, quando há honra na derrota. Provavelmente por isso a paz total tem sido impossível desde os primórdios da vida. Porque nós precisamos conhecer o “sentimento da honra” de vez em quando. E, para conhecê-lo, só é possível quando confrontamos o seu oposto.

Por ser a paz uma quimera, ela se ajusta perfeitamente à nossa natureza. Acredito que nossa prefeita sabe do que estou falando, já que na política não há bandeiras brancas possíveis, a não ser para acomodar melhor as coisas internamente.

A “torta” Gabrielle só conheceu uma prova da paz, pacificando-se aos próprios olhos, quando superou a si mesma e enfim cruzou a linha de chegada. Em trigésimo sétimo lugar. Mas com todos de pé, aplaudindo a fibra de seus passos vacilantes.

A maratona pelotense por paz é um esboço de uma intenção vaga.

Mas, claro, sempre vale o esforço e a propaganda dele.

© Rubens Spanier Amador é jornalista.

Facebook do autor | E-mail: rubens.amador@yahoo.com.br

Rubens Amador. Jornalista. Editor do Amigos de Pelotas. Ex funcionário do Senado Federal, MEC e Correio Braziliense. Pai do Vitor. Fã de livros, de cinema. E de Liberdade.

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Cultura e entretenimento

Guerra civil, o grande filme do ano até agora. Por Déborah Schmidt

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Guerra Civil mostra a fotojornalista Lee Smith (Kirsten Dunst) e o redator Joel (Wagner Moura) em meio a uma guerra civil que dividiu os Estados Unidos em diversas facções políticas. A dupla pretende conseguir uma entrevista com o presidente, mas para isso, precisa atravessar um país dividido e enfrentar uma sociedade em guerra consigo mesma. A dupla é acompanhada por Jessie (Cailee Spaeny), uma jovem fotógrafa, e Sammy (Stephen McKinley Henderson), um repórter veterano.

Dirigido e roteirizado pelo premiado Alex Garland, o filme explora uma trama ambientada em um futuro distópico, porém não tão distante e nem tão improvável. Conhecido por filmes como Ex Machina (2014) e Aniquilação (2018) e pelos roteiros de Extermínio (2002), de Danny Boyle e Não Me Abandone Jamais (2010), de Mark Romanek, Garland apresenta uma mistura de ação e suspense ao apresentar a viagem de carro do quarteto de Nova York até Washington. Durante o trajeto, registram a situação e a dimensão da violência que tomou conta das ruas, envolvendo toda a nação e eles mesmos, quando se tornam alvos de uma facção rebelde.

Como a dupla de protagonistas, os sempre ótimos Kirsten Dunst e Wagner Moura criam um contraponto perfeito. Enquanto Lee já está entorpecida e demonstra frieza com relação ao caos, Joel é mais relaxado e conquista o público através do carisma. A serenidade do grupo pertence a Sammy, em um personagem que é impossível não simpatizar, ainda mais com a excelente atuação de  Stephen McKinley Henderson. Cailee Spaeny, que já havia se destacado em Priscilla (2023), repete a qualidade com Jessie, uma jovem tímida, mas ousada, e que está seduzida pela adrenalina da cobertura de uma guerra. Ainda no elenco, Nick Offerman vive o presidente dos EUA, e Jesse Plemons faz uma participação curta, porém intensa, na cena mais perturbadora do longa.

Com a qualidade técnica já conhecida dos filmes da A24, a produção mescla a todo o momento sons de tiros ensurdecedores a um silêncio que fala ainda mais alto, em uma verdadeira aula de edição e mixagem de som. A fotografia de Rob Hardy (parceiro de Garland desde Ex Machina) flerta com o documentário e a trilha sonora de Geoff Barrow e Ben Salisbury (também parceiros de longa data do diretor) é discreta, mas extremamente competente ao servir como alívio de momentos mais tensos.

É instigante acompanhar a jornada desses jornalistas e o filme definitivamente se beneficia deste fato. Através de frames com fotos realistas, em preto e branco, que surgem em meio às cenas mais duras, o filme aposta na fotografia para contar sua narrativa. Mesmo que acostumados com a violência, os jornalistas são os melhores personagens para retratarem essa história e, por mais que tenham seu posicionamento frente ao conflito, o trabalho deles é apenas registrar o que está acontecendo, deixando que o público tire as suas próprias conclusões. Guerra Civil é uma bela homenagem ao papel desses profissionais em momentos de crise.

Em cartaz nos cinemas, Guerra Civil é o grande filme do ano até o momento. Um olhar crítico e sensível, ainda que essencial, sobre a nossa própria realidade.

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Brasil e mundo

Comentário em vídeo: Liberdade de expressão

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