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Cultura e entretenimento

Mencken: “O Homem é uma tartaruga sem casco”

“Nenhum outro animal é tão incompetente para se adaptar ao seu próprio ambiente”

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O ‘HOMEM’, segundo o jornalista H. L. Mencken (do Livro dos Insultos). Inteligentíssimo, polemista, fez a cabeça dos americanos nos anos 20 e 30.

No que se refere aos animais, mesmo num espaço tão limitado como o nosso mundo, o homem é tosco e ridículo. Poucos bichos são tão estúpidos ou covardes quanto o homem.

O mais vira-lata dos cães tem sentidos mais agudos e é infinitamente mais corajoso, para não dizer mais honesto e confiável.

As formigas e abelhas são, de várias formas, mais inteligentes e engenhosas; tocam para a frente seus sistemas de governo com muito menos arranca-rabos, desperdícios e imbecilidades.

O leão é mais bonito, digno e majestoso. O antílope é infinitamente mais rápido e gracioso. Qualquer gato doméstico comum é mais limpo.

O cavalo, mesmo suado do trabalho, cheira melhor. O gorila é mais gentil com seus filhotes e mais fiel à companheira. O boi e o asno são mais produtivos e serenos. Mas, acima de tudo, o homem é deficiente em coragem, talvez a mais nobre de todas as qualidades.

O homem

Seu pavor mortal não se limita a todos os animais de seu próprio peso ou mesmo da metade de seu peso – exceto uns poucos que ele degradou por cruzamentos artificiais – seu pavor mortal é também daqueles de sua própria espécie – e não apenas de seus punhos e pés, mas até de suas risotas.

“Acredito que é melhor ser livre do que ser um escravo. Acredito que é melhor dizer o que se pensa do que mentir. E acredito que é melhor saber do que ser um ignorante”.

(H. L. Mencken)

Nenhum outro animal é tão incompetente para se adaptar ao seu próprio ambiente. A criança, quando vem ao mundo, é tão frágil que, se for deixada sozinha por aí durante dias, infalivelmente morrerá, e essa enfermidade congênita, embora mais ou menos disfarçada depois, continuará até a morte.

O homem adoece mais do que qualquer outro animal, tanto em seu estado selvagem quanto abrigado pela civilização. Sofre de uma variedade maior de doenças e, com maior frequência, cansa-se ou fere-se com mais facilidade. Finalmente, morre de forma horrível e em geral mais cedo.

“Acredito que é melhor ser livre do que ser um escravo. Acredito que é melhor dizer o que se pensa do que mentir. E acredito que é melhor saber do que ser um ignorante”. H. L. Mencken

Praticamente, todos os outros vertebrados superiores, pelo menos em seu ambiente selvagem, vivem e retém suas faculdades por muito mais tempo. Mesmo os macacos antropoides estão bem à frente de seus primos humanos. Um orangotango casa-se aos sete ou oito anos de idade, constrói uma família de 70 ou 80 filhos e continua tão vigoroso e sadio aos 80 anos quanto um europeu de 45.

Todos os erros e incompetências do Criador chegaram ao seu clímax no homem.

Como peça de um mecanismo, o homem é o pior de todos; comparados com ele, até um salmão ou um estafilococo são máquinas solidas e eficientes.

O homem transporta os piores rins conhecidos da zoologia comparativa, os piores pulmões e o pior coração. Seus olhos, considerando-se o trabalho que são obrigados a desempenhar, são menos eficientes do que o olho de uma minhoca; o Criador de tal aparato ótico, capaz de fabricar um instrumento tão cambeta, deveria ser surrado por seus fregueses.

Ao contrário de todos os animais, terrestres, celestes ou marinhos, o homem é incapaz por natureza de deixar o mundo em que habita, precisa vestir-se, proteger-se e armar-se para sobreviver. Está eternamente na posição de uma tartaruga que nasceu sem o casco, um cachorro sem pelos ou um peixe sem barbatanas. Sem sua pesada e desajeitada carapaça, torna-se indefeso até contra as moscas. E Deus não lhe concedeu nem um rabo para espantá-las.

Vou chegar agora a um ponto de inquestionável superioridade natural do homem: ele tem alma.

Mencken

É isso que o separa de todos os outros animais, e o faz, de certa maneira, senhor deles.

A exata natureza de tal alma vem sendo discutida há milhares de anos, mas é possível falar com autoridade a respeito de sua função. A qual seria a de fazer o homem entrar em contato direto com Deus, torná-lo consciente de Deus e, principalmente, torná-lo parecido com Deus. Bem, considere o colossal fracasso dessa tentativa.

Se presumirmos que o homem realmente se parece com Deus, somos levados à inevitável conclusão de que Deus é um covarde, um idiota e um pilantra. E se presumirmos que o homem, depois de todos esses anos, não se parece com Deus, então fica claro imediatamente que a alma é uma máquina tão ineficiente quanto o fígado ou as amígdalas e que o homem poderia passar sem ela, assim como o chimpanzé indubitavelmente passa muito bem sem ela. Pois é esse o caso.

O único efeito prático de se ter uma alma é o de que ela infla o homem com vaidades antropomórficas e antropocêntricas – em suma, com superstições arrogantes e presunçosas. Ele se empertiga e se empluma só porque tem alma – e subestima o fato de que ela não funciona. Assim, ele é o supremo palhaço da Criação. É como um sapo que se gaba de combater leões, voar sobre o Matterhorn ou atravessar o Helesponto.

No entanto, é essa pobre besta que somos obrigados a venerar como uma pedra preciosa na testa do cosmos. É o verme que somos convidados a defender como o favorito de Deus na Terra, com todos os seus milhões de quadrúpedes muito mais bravos, nobres e decentes – seus soberbos leões, seus ágeis e galantes leopardos, seus imperiais elefantes, seus fiéis cães, seus corajosos ratos.

O homem é o inseto a que nos imploram, depois de infinitos problemas, trabalho e despesas, a reproduzir.

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Furiosa: uma saga Mad Max. Por Déborah Schmidt

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Considerado por muitos (na qual me incluo) o melhor filme de ação do século XXI, o excepcional Mad Max: Estrada da Fúria finalmente ganha sua aguardada sequência quase uma década depois de seu lançamento. Furiosa: Uma Saga Mad Max é um prequel de Furiosa, onde retornamos às origens da heroína interpretada anteriormente por Charlize Theron.

Novamente dirigido por George Miller, a história segue a jovem Furiosa (Anya Taylor-Joy), sequestrada de seu lar pela gangue de motoqueiros liderada por Dementus (Chris Hemsworth). Logo eles alcançam a Cidadela, dominada por Immortan Joe (Lachy Hulme). Enquanto os dois tiranos disputam o domínio, Furiosa se vê envolvida em uma batalha incessante para retornar ao seu lar.

Nas primeiras cenas do filme vemos a traumática infância da protagonista (vivida por Alyla Browne). Muito antes de chegar à fase jovem, ela passa por todo tipo de sofrimento, sempre calada e totalmente sem saída. A partir dessa premissa, o longa realiza um verdadeiro estudo da futura imperatriz, que precisa se adaptar perante a escassez de uma terra desolada.

George Miller, que também assina o roteiro ao lado de Nick Lathouris, aproveita para expandir o universo de Mad Max, visto que a trilogia original iniciou no final dos anos 1970. Desde então, o australiano narra a derrocada do que sobrou do mundo, o desmanche da sociedade e os indivíduos recorrendo a atos de barbárie para sobreviver, utilizando veículos como máquinas de destruição. A produção acerta ao dividir a trama em capítulos, e a sensação é de que estamos assistindo uma verdadeira odisseia.

O conflito entre Furiosa e Dementus é o grande destaque do filme. Com Anya Taylor-Joy dominando a tela com uma atuação de poucas palavras, densa e absolutamente concentrada no olhar, a atriz também impressiona nas sequências de ação, porém não possui o mesmo carisma de Charlize Theron. Contando com um ótimo trabalho de maquiagem da vencedora do Oscar Lesley Vanderwalt, Chris Hemsworth surge como um vilão exagerado, caótico e levemente cômico.

Com uma fotografia de Simon Duggan menos marcante do que a de John Seale em Estrada da Fúria, a uma trilha sonora do holandês Tom Holkenborg, mais conhecido como Junkie XL, aposta na desordem de uma história grandiosa, ao melhor estilo Mad Max, em perseguições explosivas e cheias de adrenalina.

Mesmo que inferior ao seu antecessor, Furiosa: Uma Saga Mad Max é um filme poderoso. O longa oferece uma visão mais profunda do universo de Mad Max, explorando os desafios enfrentados por uma protagonista arrebatadora. A espera realmente valeu a pena.

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O charme do outono. Por Geraldo Hasse

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Esse tempo chuvoso me transportou automaticamente para a salinha do teletipo nos fundos da redação do Diário Popular. Eu cursava o terceiro ano noturno de jornalismo e ganhava um salário vespertino para traduzir telegramas que chegavam em espanhol via Agência France Presse (AFP). Também pela mesma máquina vinham notícias da Agência JB, mas essas não era preciso traduzir, vinham em português de boa qualidade (na época, o Jornal do Brasil era um modelo de jornalismo, atividade hoje subalterna ao marketing).

O teletipo foi a atração daquele ano no jornal, que se considerava portador de uma revolução redentora dos costumes da região. Às vezes um dirigente da empresa aparecia na salinha rebocando um visitante supostamente interessado em conhecer o aparelho mágico. Eu, mero coadjuvante, nem sempre chegava a ser apresentado. Era um mero acessório da máquina, o zé ninguém da redação. Mas quem municiava o jornal com o noticiário nacional e internacional? Era eu e ninguém mais.

O teletipo passou o ano inteiro cuspindo principalmente reportagens sobre a guerra do Vietnã; certo dia, trouxe a notícia da morte em estranho acidente aéreo no Ceará do marechal Castello Branco, o primeiro chefão do governo militar; semanas depois, morria fuzilado na selva boliviana o revolucionário argentino Che Guevara. E eu ali na solidão da salinha 3 x 4 vivendo e aprendendo sobre a marcha da civilização.

Nos intervalos daquele matraquear incessante, eu lia os grandes poetas brasileiros editados pela Editora do Autor e me animava a escrever versos que nunca foram publicados mas ainda não desapareceram da minha memória (lá vai):

“Eu te ofereço meus ternos versos,

são o presente mais puro que te dou:

são beijos em minha boca imersos,

sobras do banquete que acabou”.

O que deveria ser um soneto não passou de uma quadrinha. Faltava não apenas inspiração, mas tempo para ir além do trivial. Fora o tactac do noticiário, havia as distrações do ambiente. O céu cinzento, a umidade impregnando paredes e os telhados gotejando a chuva intermitente me desviavam para cenas inesperadas.

Lembro que através da vidraça da janela eu via numa árvore já sem folhas — um cinamomo, provavelmente — algumas pombas encolhidas sob a chuva: pareciam “corvos de cinema” (estávamos ainda sob o impacto do filme Os Pássaros, no qual a pobrezinha da Tippi Hedren, indefesa, era atacada sem motivo aparente por bandos de aves negras amestradas pelo terrorista Alfredo Hitchcook).

Por tudo isso, senhoras e senhores, o outono, mesmo com chuva, continua encantador. Em Pelotas e em outras latitudes.

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