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Cultura e entretenimento

A CARTA DO SEU JOÃO (Por Vitor Bertini)

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A placa na porta não deixava dúvidas: Dr. Carlos Sinovial Santos – Delegado de Polícia. 

“Formosa dama. Permita uma breve apresentação meu nome é João Castanheira e sou o encarregado da obra do novo Colégio Santa Mathilde. Ali na subida da Rua Tristão. A razão que me permitiu vir trabalhar nessa cidade é a mesma que talvez me permita ficar sou viúvo. Dito isso sou honrado e franco – quis o destino quando achei que trabalhar era tudo o que de melhor podia acontecer na minha vida fazer com que meu alojamento seja duas quadras distante de sua janela na direção de quem vem ou vai para a Rua Tristão. No caminho do trabalho minhas manhãs não são mais as mesmas. Sua presença na janela, tudo enaltece. As tardinhas encontram a janela fechada quando se faz a escuridão. Não sei seu nome nem sua situação. Nunca vi outras pessoas na casa. Passo pontual as 7:00 horas da manhã carrego uma pasta preta uso chapéu claro e paletó mas acho que já me vistes. Com todo o respeito posso assinar Seu João como o pessoal da obra me chama. Ou seu João. Sorrir na minha passagem será sua resposta.”

– Li corretamente, seu João?
– Sim, delegado. Bem certo. Isso mesmo.
– E o senhor quer dar queixa do que exatamente, seu João?
– Doutor, eu não ofendi nem faltei com o respeito a ninguém. Como escrevi, sou um homem honrado. A surra que levei é ilegal. Quero dar queixa.
– Seu João, deixa eu lhe contar uma coisa: a senhora que enaltecia suas manhãs é casada e quem recolheu sua carta na caixa do correio foi o marido dela. O senhor deve dar graças a Deus que esteja vivo e falando. Nessa cidade, por muito menos, tem gente no cemitério.
– Com todo o respeito que o doutor merece, apanhei de vara, estou machucado, quase engasguei com a carta e tenho razão. Amanhã…
– Seu João, preste atenção: não vai ter amanhã. O senhor vai mudar seu caminho para a obra. Na ida, e na volta. Se eu souber que o senhor passou por lá novamente, eu é que vou lhe prender. Entendeu, seu João?
– Doutor, a minha carta…
– Seu João, a sua carta está com o nome da Santa escrito errado – não tem aquele agá – e foi endereçada para uma santa casada. A Santa solteira não gostou de ver seu nome errado e o marido da outra está bem brabo. Agora, para casa. Sua carta fica por aqui.

Inconformado, Seu João saiu da delegacia. Intrigado, o delegado foi reler a frase sobre as duas formas de assinatura propostas pelo apaixonado – a única vírgula ele já tinha atribuído à expressão “tudo enaltece”.

Na manhã seguinte, antes de ir trabalhar, Seu João ligou para o departamento jurídico da construtora. Tinha uma ação de prevaricação para propor, contra o delegado, junto à Corregedoria da Polícia Civil.

Seu João foi promovido para o cargo de Supervisor Regional na semana seguinte – em outra região.

Página de Vitor – AQUI.

Depois de tudo, escritor. Autor do livro "Não me Abandone" - Editora Esquina do Lobas e da página "A História da Sexta".

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Furiosa: uma saga Mad Max. Por Déborah Schmidt

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Considerado por muitos (na qual me incluo) o melhor filme de ação do século XXI, o excepcional Mad Max: Estrada da Fúria finalmente ganha sua aguardada sequência quase uma década depois de seu lançamento. Furiosa: Uma Saga Mad Max é um prequel de Furiosa, onde retornamos às origens da heroína interpretada anteriormente por Charlize Theron.

Novamente dirigido por George Miller, a história segue a jovem Furiosa (Anya Taylor-Joy), sequestrada de seu lar pela gangue de motoqueiros liderada por Dementus (Chris Hemsworth). Logo eles alcançam a Cidadela, dominada por Immortan Joe (Lachy Hulme). Enquanto os dois tiranos disputam o domínio, Furiosa se vê envolvida em uma batalha incessante para retornar ao seu lar.

Nas primeiras cenas do filme vemos a traumática infância da protagonista (vivida por Alyla Browne). Muito antes de chegar à fase jovem, ela passa por todo tipo de sofrimento, sempre calada e totalmente sem saída. A partir dessa premissa, o longa realiza um verdadeiro estudo da futura imperatriz, que precisa se adaptar perante a escassez de uma terra desolada.

George Miller, que também assina o roteiro ao lado de Nick Lathouris, aproveita para expandir o universo de Mad Max, visto que a trilogia original iniciou no final dos anos 1970. Desde então, o australiano narra a derrocada do que sobrou do mundo, o desmanche da sociedade e os indivíduos recorrendo a atos de barbárie para sobreviver, utilizando veículos como máquinas de destruição. A produção acerta ao dividir a trama em capítulos, e a sensação é de que estamos assistindo uma verdadeira odisseia.

O conflito entre Furiosa e Dementus é o grande destaque do filme. Com Anya Taylor-Joy dominando a tela com uma atuação de poucas palavras, densa e absolutamente concentrada no olhar, a atriz também impressiona nas sequências de ação, porém não possui o mesmo carisma de Charlize Theron. Contando com um ótimo trabalho de maquiagem da vencedora do Oscar Lesley Vanderwalt, Chris Hemsworth surge como um vilão exagerado, caótico e levemente cômico.

Com uma fotografia de Simon Duggan menos marcante do que a de John Seale em Estrada da Fúria, a uma trilha sonora do holandês Tom Holkenborg, mais conhecido como Junkie XL, aposta na desordem de uma história grandiosa, ao melhor estilo Mad Max, em perseguições explosivas e cheias de adrenalina.

Mesmo que inferior ao seu antecessor, Furiosa: Uma Saga Mad Max é um filme poderoso. O longa oferece uma visão mais profunda do universo de Mad Max, explorando os desafios enfrentados por uma protagonista arrebatadora. A espera realmente valeu a pena.

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O charme do outono. Por Geraldo Hasse

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Esse tempo chuvoso me transportou automaticamente para a salinha do teletipo nos fundos da redação do Diário Popular. Eu cursava o terceiro ano noturno de jornalismo e ganhava um salário vespertino para traduzir telegramas que chegavam em espanhol via Agência France Presse (AFP). Também pela mesma máquina vinham notícias da Agência JB, mas essas não era preciso traduzir, vinham em português de boa qualidade (na época, o Jornal do Brasil era um modelo de jornalismo, atividade hoje subalterna ao marketing).

O teletipo foi a atração daquele ano no jornal, que se considerava portador de uma revolução redentora dos costumes da região. Às vezes um dirigente da empresa aparecia na salinha rebocando um visitante supostamente interessado em conhecer o aparelho mágico. Eu, mero coadjuvante, nem sempre chegava a ser apresentado. Era um mero acessório da máquina, o zé ninguém da redação. Mas quem municiava o jornal com o noticiário nacional e internacional? Era eu e ninguém mais.

O teletipo passou o ano inteiro cuspindo principalmente reportagens sobre a guerra do Vietnã; certo dia, trouxe a notícia da morte em estranho acidente aéreo no Ceará do marechal Castello Branco, o primeiro chefão do governo militar; semanas depois, morria fuzilado na selva boliviana o revolucionário argentino Che Guevara. E eu ali na solidão da salinha 3 x 4 vivendo e aprendendo sobre a marcha da civilização.

Nos intervalos daquele matraquear incessante, eu lia os grandes poetas brasileiros editados pela Editora do Autor e me animava a escrever versos que nunca foram publicados mas ainda não desapareceram da minha memória (lá vai):

“Eu te ofereço meus ternos versos,

são o presente mais puro que te dou:

são beijos em minha boca imersos,

sobras do banquete que acabou”.

O que deveria ser um soneto não passou de uma quadrinha. Faltava não apenas inspiração, mas tempo para ir além do trivial. Fora o tactac do noticiário, havia as distrações do ambiente. O céu cinzento, a umidade impregnando paredes e os telhados gotejando a chuva intermitente me desviavam para cenas inesperadas.

Lembro que através da vidraça da janela eu via numa árvore já sem folhas — um cinamomo, provavelmente — algumas pombas encolhidas sob a chuva: pareciam “corvos de cinema” (estávamos ainda sob o impacto do filme Os Pássaros, no qual a pobrezinha da Tippi Hedren, indefesa, era atacada sem motivo aparente por bandos de aves negras amestradas pelo terrorista Alfredo Hitchcook).

Por tudo isso, senhoras e senhores, o outono, mesmo com chuva, continua encantador. Em Pelotas e em outras latitudes.

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