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Opinião

A impaciência que explodiu no Barro Duro

Ali, no Barro Duro, uma mulher do povo, com um braço ocupado por uma garrafa térmica e uma cuia de chimarrão, foi capaz de fazer com que uma professora da Academia descesse os degraus de seu doutoramento em Letras Francesas até alcançar o básico fundamental.

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No Brasil, é muito arraigada essa “tradição” de o governante gastar grande parte de seu tempo em cerimônias, discursos, fotografias, divulgações. É uma espécie de piloto-automático, como foi no episódio do Barro Duro envolvendo a prefeita e uma moradora do bairro.

As cerimônias pelotenses ocorrem por razões de vulto, mais raras, como o anúncio de uma licitação de ônibus pela qual uma cidade esperou décadas, mas também por muitas coisas triviais, como a entrega de chaves de uma viatura ao motorista que vai dirigi-la, com a autoridade estendendo as chaves ao condutor enquanto o fotógrafo oficial registra tudo.

Em Pelotas, essa “tradição” é uma constante, às vezes incluindo um elemento antigo, em geral reservado ao fim: o som apaziguador de uma bandinha de música.

Prefeita Paula disse que o bate-boca entre ela e a moradora do Barro Duro foi a primeira ocorrência do tipo em que se viu envolvida, que ela em geral é bem recebida nas cerimônias. É vero. Até onde a memória alcança, não há registro de altercação semelhante em seu mandato.

Em termos de protesto, porém, seus ouvidos já ouviram vaias, como nesta semana, quando parte do público presente à reinauguração do ginásio do Colégio Pelotense, vaiou-a, e ao governador, ao ponto de este dedicar algumas palavras aos manifestantes, dizendo o que se diz nessas ocasiões, “que vaia faz parte da democracia”.

Em geral vaias incomodam menos porque, conjuntas, diluem os rostos e as identidades (como nos coros gregos), algo muito diferente do que ocorreu no Barro Duro.

Despersonalizada do indivíduo, a vaia da multidão é uma manifestação proporcional ao modo de ser do político, que se compromete com todos, e, assim sendo, não se compromete com ninguém em específico.

Daí o valor do acontecido no Barro Duro, onde essa distância foi anulada pelo bate-boca frontal.

Ali, no Barro Duro, uma mulher do povo, com um braço ocupado por uma garrafa térmica e uma cuia de chimarrão, foi capaz de fazer com que uma professora da Academia descesse os degraus de seu doutoramento em Letras Francesas até alcançar o básico fundamental.

O episódio também foi inédito por esse aspecto.

Não há “educação e boas maneiras” que resistam totalmente à realidade dos “barros duros”.

Já vimos que a prefeita tem razão quando diz que, em geral, a receptividade às autoridades locais nos eventos é boa, ao menos sem atritos. Justamente levando em conta essa tranquilidade, é que o ocorrido merece a consideração de um analista.

Não é porque o público em geral é cordato nos eventos oficiais que a realidade seja perfeita. Obviamente ela não é perfeita, está longe disso. Portanto, as autoridades talvez devessem estender suas cotas de tolerância.

Sem querer, uma campanha publicitária da prefeitura parece resumir o ocorrido.

A campanha diz “Ninguém sabe o que é calçar os sapatos do outro”, e busca, ao que parece, obter a simpatia dos pelotenses aos servidores do Sanep.

A professora nunca calçou os sapatos da moradora e vice-versa. O máximo possível foi o que vimos, as duas subindo nos tamancos.

Paris foi cenário de revoluções de reflexos mundiais. Já Pelotas, por causa da nossa geografia e acanhamento, por mais que o tecido social se revolva, jamais conhecerá um Maio de 68.

Por isso o bate-boca no Barro Duro é tão significativo.

Ele é a expressão máxima que veremos aqui em termos de inconformismo popular com governantes, cuja obsessão por holofotes os fez levar ao Barro Duro a assinatura de um contrato de iluminação de rua pelo qual os moradores esperam há 10 anos.

Talvez tenha sido esse o motivo de tudo. Apesar da boa notícia, uma impaciência com uma cerimônia em descompasso no tempo. Ainda por cima, com direito a discursos oficiais.

Quando a moradora protestou e a prefeita respondeu que se não estavam gostando, que levaria benefícios para outros pontos da cidade, a moradora, em quem a paciência era pouca, acabou. 

Nesse ponto já era tarde.

A prefeita havia perdido a paciência também. 

O fato da semana numa frase

Perguntas no ar sobre discussão entre moradora e prefeita

Paula sobre briga: ‘Pedi desculpas, mas estavam ali para agredir’

Ainda a discussão entre uma moradora e a prefeita

Vídeo: Paula discute com moradora no Balneário dos Prazeres

Rubens Amador. Jornalista. Editor do Amigos de Pelotas. Ex funcionário do Senado Federal, MEC e Correio Braziliense. Pai do Vitor. Fã de livros, de cinema. E de Liberdade.

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Cultura e entretenimento

Guerra civil, o grande filme do ano até agora. Por Déborah Schmidt

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Guerra Civil mostra a fotojornalista Lee Smith (Kirsten Dunst) e o redator Joel (Wagner Moura) em meio a uma guerra civil que dividiu os Estados Unidos em diversas facções políticas. A dupla pretende conseguir uma entrevista com o presidente, mas para isso, precisa atravessar um país dividido e enfrentar uma sociedade em guerra consigo mesma. A dupla é acompanhada por Jessie (Cailee Spaeny), uma jovem fotógrafa, e Sammy (Stephen McKinley Henderson), um repórter veterano.

Dirigido e roteirizado pelo premiado Alex Garland, o filme explora uma trama ambientada em um futuro distópico, porém não tão distante e nem tão improvável. Conhecido por filmes como Ex Machina (2014) e Aniquilação (2018) e pelos roteiros de Extermínio (2002), de Danny Boyle e Não Me Abandone Jamais (2010), de Mark Romanek, Garland apresenta uma mistura de ação e suspense ao apresentar a viagem de carro do quarteto de Nova York até Washington. Durante o trajeto, registram a situação e a dimensão da violência que tomou conta das ruas, envolvendo toda a nação e eles mesmos, quando se tornam alvos de uma facção rebelde.

Como a dupla de protagonistas, os sempre ótimos Kirsten Dunst e Wagner Moura criam um contraponto perfeito. Enquanto Lee já está entorpecida e demonstra frieza com relação ao caos, Joel é mais relaxado e conquista o público através do carisma. A serenidade do grupo pertence a Sammy, em um personagem que é impossível não simpatizar, ainda mais com a excelente atuação de  Stephen McKinley Henderson. Cailee Spaeny, que já havia se destacado em Priscilla (2023), repete a qualidade com Jessie, uma jovem tímida, mas ousada, e que está seduzida pela adrenalina da cobertura de uma guerra. Ainda no elenco, Nick Offerman vive o presidente dos EUA, e Jesse Plemons faz uma participação curta, porém intensa, na cena mais perturbadora do longa.

Com a qualidade técnica já conhecida dos filmes da A24, a produção mescla a todo o momento sons de tiros ensurdecedores a um silêncio que fala ainda mais alto, em uma verdadeira aula de edição e mixagem de som. A fotografia de Rob Hardy (parceiro de Garland desde Ex Machina) flerta com o documentário e a trilha sonora de Geoff Barrow e Ben Salisbury (também parceiros de longa data do diretor) é discreta, mas extremamente competente ao servir como alívio de momentos mais tensos.

É instigante acompanhar a jornada desses jornalistas e o filme definitivamente se beneficia deste fato. Através de frames com fotos realistas, em preto e branco, que surgem em meio às cenas mais duras, o filme aposta na fotografia para contar sua narrativa. Mesmo que acostumados com a violência, os jornalistas são os melhores personagens para retratarem essa história e, por mais que tenham seu posicionamento frente ao conflito, o trabalho deles é apenas registrar o que está acontecendo, deixando que o público tire as suas próprias conclusões. Guerra Civil é uma bela homenagem ao papel desses profissionais em momentos de crise.

Em cartaz nos cinemas, Guerra Civil é o grande filme do ano até o momento. Um olhar crítico e sensível, ainda que essencial, sobre a nossa própria realidade.

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