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Cultura e entretenimento

Era um cão perdigueiro… Por Neiff Satte Alam

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Neiff Satte Alam * |

Era um cão perdigueiro, nem Pointer nem Setter, apenas perdigueiro.

Os entendidos diziam que era apenas um vira-lata com pinta de perdigueiro, para nós um amigo presente em todos os momentos do dia.

Recebeu o nome de Nero. Até hoje não sei de onde saiu a ideia do nome e nem sei se sabíamos algo sobre o dono do nome. Eu, meu irmão e meu primo formávamos com o Nero um quarteto de respeitáveis travessuras.

Naquele tempo, Vila Olimpo era um pequeno lugar, centro do mundo é bem verdade, pois era o mundo que conhecíamos. A rua do Comércio, onde ficava nossa casa e o armazém de meu pai, era nosso campo de futebol.

Dois cinamomos robustos eram as goleiras e o principal jogador, pois ficava sempre com a pequena bola de borracha entre as pernas e totalmente babada e perfurada ao final do jogo, era o Nero. Sua cola batia com imensa felicidade levantando poeira sob nosso olhar não menos feliz, indicando o fim do jogo. Época de férias, só entrávamos em casa na hora de comer, tomar banho e dormir.

Quando éramos chamados para o almoço, o primeiro a ouvir era o Nero, que corria imediatamente para a cozinha, embora fosse o último a comer, não antes de encarar o olhar de repreensão de meu pai, única pessoa a quem respeitava, e ficar deitado sobre um canto e batendo sua espessa cola, esperando a hora de seu almoço.

Tinha três inimigos: um cão vira-lata peludo que disputava território e algumas donzelas que por lá passavam; moscas em geral, era quando sua cola mais trabalhava; um gato preto que o provocava de cima do muro ou do telhado, já tinham tido alguns encontros mais diretos e ambos saíram com algumas lesões, nada perigosas, mas com certeza muito doloridas.

A hora de dormir, podem acreditar, era sempre às 18h, inverno ou verão; banho, janta e cama. No pátio, junto a nossa janela, o Nero, depois de uivos e resmungos de contrariedade, também iniciava sua noite agitada pelas provocações do gato preto que insistia em irritá-lo passeando no parreiral que cobria parte do pátio.

Amanhecia. Alguém deixava uma porta aberta e era o suficiente para sermos acordados pelo Nero de forma alegre, exageradamente alegre. Ninguém conseguia ficar na cama depois destas demonstrações de imensa alegria.

Levantar, lavar a cara, tomar um café com leite (que vinha direto da vaca para o consumidor), escovar os dentes e … rua.

Depois do almoço um pequeno descanso antes de ir para o indispensável banho nas águas mornas e limpas do Rio Piratini, que chamávamos simplesmente de “arroio”. O Nero somente entrava n’água depois de ser carinhosamente atirado. Era ensaboado e esfregado e depois ficava secando ao sol bem distante do “burburinho” formado pelas famílias que se aglomeravam às margens do rio.

Depois de seco, escondia-se à sombra de algum maricá esperando a hora do retorno.

Uma noite, percebeu-se movimentos diferentes na casa, meu pai e minha mãe transitaram com outras pessoas, ouvimos gemidos do Nero, depois tudo silenciou. Parecia um sonho ruim e o sono nos venceu e seguimos dormindo.

Naquela manhã não fomos acordados pelo Nero; não jogamos futebol; não fomos ao banho no arroio; nossos dias ficaram tristes. Ninguém falou no assunto. Ninguém perguntou. As lágrimas molharam o rosto de todos.

O Nero foi uma importante experiência de convivência harmoniosa e nossa primeira experiência de perda. Não importa o tempo que duram nossos amigos, importa é a eternidade da amizade que fica e as experiências que seguem enriquecendo os aprendizados permanentes de vida.

* Neiff Satte Alam é professor Universitário Aposentado – UFPEL Biólogo e Especialista em Informática na Educação.

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Furiosa: uma saga Mad Max. Por Déborah Schmidt

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Considerado por muitos (na qual me incluo) o melhor filme de ação do século XXI, o excepcional Mad Max: Estrada da Fúria finalmente ganha sua aguardada sequência quase uma década depois de seu lançamento. Furiosa: Uma Saga Mad Max é um prequel de Furiosa, onde retornamos às origens da heroína interpretada anteriormente por Charlize Theron.

Novamente dirigido por George Miller, a história segue a jovem Furiosa (Anya Taylor-Joy), sequestrada de seu lar pela gangue de motoqueiros liderada por Dementus (Chris Hemsworth). Logo eles alcançam a Cidadela, dominada por Immortan Joe (Lachy Hulme). Enquanto os dois tiranos disputam o domínio, Furiosa se vê envolvida em uma batalha incessante para retornar ao seu lar.

Nas primeiras cenas do filme vemos a traumática infância da protagonista (vivida por Alyla Browne). Muito antes de chegar à fase jovem, ela passa por todo tipo de sofrimento, sempre calada e totalmente sem saída. A partir dessa premissa, o longa realiza um verdadeiro estudo da futura imperatriz, que precisa se adaptar perante a escassez de uma terra desolada.

George Miller, que também assina o roteiro ao lado de Nick Lathouris, aproveita para expandir o universo de Mad Max, visto que a trilogia original iniciou no final dos anos 1970. Desde então, o australiano narra a derrocada do que sobrou do mundo, o desmanche da sociedade e os indivíduos recorrendo a atos de barbárie para sobreviver, utilizando veículos como máquinas de destruição. A produção acerta ao dividir a trama em capítulos, e a sensação é de que estamos assistindo uma verdadeira odisseia.

O conflito entre Furiosa e Dementus é o grande destaque do filme. Com Anya Taylor-Joy dominando a tela com uma atuação de poucas palavras, densa e absolutamente concentrada no olhar, a atriz também impressiona nas sequências de ação, porém não possui o mesmo carisma de Charlize Theron. Contando com um ótimo trabalho de maquiagem da vencedora do Oscar Lesley Vanderwalt, Chris Hemsworth surge como um vilão exagerado, caótico e levemente cômico.

Com uma fotografia de Simon Duggan menos marcante do que a de John Seale em Estrada da Fúria, a uma trilha sonora do holandês Tom Holkenborg, mais conhecido como Junkie XL, aposta na desordem de uma história grandiosa, ao melhor estilo Mad Max, em perseguições explosivas e cheias de adrenalina.

Mesmo que inferior ao seu antecessor, Furiosa: Uma Saga Mad Max é um filme poderoso. O longa oferece uma visão mais profunda do universo de Mad Max, explorando os desafios enfrentados por uma protagonista arrebatadora. A espera realmente valeu a pena.

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O charme do outono. Por Geraldo Hasse

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Esse tempo chuvoso me transportou automaticamente para a salinha do teletipo nos fundos da redação do Diário Popular. Eu cursava o terceiro ano noturno de jornalismo e ganhava um salário vespertino para traduzir telegramas que chegavam em espanhol via Agência France Presse (AFP). Também pela mesma máquina vinham notícias da Agência JB, mas essas não era preciso traduzir, vinham em português de boa qualidade (na época, o Jornal do Brasil era um modelo de jornalismo, atividade hoje subalterna ao marketing).

O teletipo foi a atração daquele ano no jornal, que se considerava portador de uma revolução redentora dos costumes da região. Às vezes um dirigente da empresa aparecia na salinha rebocando um visitante supostamente interessado em conhecer o aparelho mágico. Eu, mero coadjuvante, nem sempre chegava a ser apresentado. Era um mero acessório da máquina, o zé ninguém da redação. Mas quem municiava o jornal com o noticiário nacional e internacional? Era eu e ninguém mais.

O teletipo passou o ano inteiro cuspindo principalmente reportagens sobre a guerra do Vietnã; certo dia, trouxe a notícia da morte em estranho acidente aéreo no Ceará do marechal Castello Branco, o primeiro chefão do governo militar; semanas depois, morria fuzilado na selva boliviana o revolucionário argentino Che Guevara. E eu ali na solidão da salinha 3 x 4 vivendo e aprendendo sobre a marcha da civilização.

Nos intervalos daquele matraquear incessante, eu lia os grandes poetas brasileiros editados pela Editora do Autor e me animava a escrever versos que nunca foram publicados mas ainda não desapareceram da minha memória (lá vai):

“Eu te ofereço meus ternos versos,

são o presente mais puro que te dou:

são beijos em minha boca imersos,

sobras do banquete que acabou”.

O que deveria ser um soneto não passou de uma quadrinha. Faltava não apenas inspiração, mas tempo para ir além do trivial. Fora o tactac do noticiário, havia as distrações do ambiente. O céu cinzento, a umidade impregnando paredes e os telhados gotejando a chuva intermitente me desviavam para cenas inesperadas.

Lembro que através da vidraça da janela eu via numa árvore já sem folhas — um cinamomo, provavelmente — algumas pombas encolhidas sob a chuva: pareciam “corvos de cinema” (estávamos ainda sob o impacto do filme Os Pássaros, no qual a pobrezinha da Tippi Hedren, indefesa, era atacada sem motivo aparente por bandos de aves negras amestradas pelo terrorista Alfredo Hitchcook).

Por tudo isso, senhoras e senhores, o outono, mesmo com chuva, continua encantador. Em Pelotas e em outras latitudes.

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