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Brasil e mundo

Milícias identitárias ‘reabilitam concurso de miss’

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Por Eduardo Affonso

As milícias identitárias conseguiram o que parecia impossível: reabilitar concurso de miss.

Lembra aquele certame (concurso de miss era uma ocasião única para usar a palavra “certame”) em que se reforçavam padrões de beleza inalcançáveis para a maioria das mulheres? Pois é, esse mesmo.

Nunca houve uma miss com 1,55 m. Ou com 98 kg.
Sabe aquelas (supostas) duas polegadas a mais da Marta Rocha? Nem de quadris generosos a miss podia ser. O quadril tinha que ser proporcional ao busto (mulheres tinham peitos: misses – e atrizes – tinham busto).

Até hoje, miss não pode ser casada (tem que estar “disponível”).
Não pode ter 30, 40 anos de idade (tem que ser “jovem”).
Querer que fosse virgem sempre foi pedir demais, mas não pode estar grávida, nem ter tido filhos.

E, claro, tem que transbordar feminilidade. Ser bela, recatada e do lar.

Concurso de miss era coisa do século passado, do tempo da Vemaguete, da televisão em preto e branco, dos maiôs Catalina, do Pequeno Príncipe.

– Quem é o responsável pelo seu guarda-roupa?
– Um marceneiro lá de Itabirito mesmo.

– Qual seu prato favorito?
– Colorex.

Isso era concurso de Miss.

Tinha torcida organizada. Nos reuníamos em volta de uma Telefunken numa corrente de fé pela Miss Viçosa (que nunca chegou às eliminatórias do Miss Minas Gerais). Depois, pela Miss Minas Gerais (que dificilmente chegava à semifinal do Miss Brasil). E finalmente, pela Miss Brasil – com direito a buzinaço quando Marta Vasconcelos ganhou o título, num lugar do qual eu nunca tinha ouvido falar, chamado Miami Beach (ainda não havia essa intimidade de hoje, de se tratar Miami Beach só pelo primeiro nome).

[A memória pode estar me pregando uma peça, mas acho que Sérgio Mendes tocou “Mas que nada” no evento, dando um espóiler (ainda não havia espóileres) de que finalmente chegaríamos lá.]

Depois as misses foram saindo de moda (criticadas pelas feministas) e as modelos foram tomando seu lugar (também criticadas pelas feministas). Descobrimos que concurso de miss era machista, que objetificava a mulher etc.

A última Miss Brasil de que tive notícia foi a Vera Fischer. Foi também a primeira vez que li uma crítica racial: loura e de olhos claros, ela “não representava a mulher brasileira”.

Fiquei curioso para saber o que dirão (ou já dizem) as feministas a respeito, agora que mulheres negras dominam os “certames”. Imagino que tenham outro discurso: o concurso ajuda no empoderamento, na autoestima, tem representatividade – em breve estará aceitando trans (se é que já não aceita), e mulheres com mais de 50, acima do peso…

Parece que as perguntas são sobre política, história, aquecimento global, não mais futilidades. Ainda assim, o concurso só é notícia quando entregam a faixa para a miss errada. Ou quando a escolhida não é branca.

Cheguei a ver de perto uma miss, quando eu tinha 10 ou 11 anos, mas diziam que o título tinha sido comprado, porque ela era filha do prefeito (ou seja, é possível que fosse intriga da oposição). Me lembro dela, de faixa e coroa, empoleirada na carroceria de um caminhão, acenando daquele jeito que só as acenam as misses e os chefes de Estado no topo da escadinha do avião.

As misses se tornam eternamente responsáveis por tudo aquilo que cativam.

Eduardo Affonso é colunista de O Globo. Com autorização dele, republicamos no site textos de seu facebook.

1 Comment

1 Comments

  1. Juruna

    16/12/19 at 11:57

    Pois é, mas ele só lembrou disso quando mulheres negras venceram. Nas décadas a fio em que loiras ganharam, silenciou e não se mostrou incomodado.

Brasil e mundo

UFPel entregou título de Dr. Honoris Causa a Mujica

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Discretamente, na sexta passada, a direção da UFPel viajou ao Uruguai para entregar a Pepe Mujica o título de Doutor Honoris Causa. A notícia foi divulgada ontem, terça, no site da Universidade.

Algumas frases dos dirigentes universitários presentes à homenagem, em tom juvenil:

“Pepe é um grande exemplo de pessoa que consegue lutar por direitos humanos, justiça social e democracia. Resistiu bravamente aos movimentos da ditadura e, como um jardineiro, sempre plantou a esperança, a luta e a vontade dessa luta em cada companheiro. Ele planta hoje a esperança para os nossos jovens”.

“Muito obrigada por ser quem é, muito obrigada por nos inspirar a defender a educação como uma forma mais poderosa de semear o futuro”.

“A visão humanista de Mujica ressoa profundamente com os ideais que nós da Universidade Federal aspiramos cultivar, nossa instituição sempre se pautou na crença de que a educação é a base para uma sociedade mais justa e igualitária, as bandeiras defendidas por Mujica colocam o bem-estar humano e a preservação do planeta acima do materialismo e do consumo desmedido e enlouquecedor, inspiram nossos esforços e reafirmam o nosso compromisso com a busca por dias melhores”.

***

Cmt meu: Mujica é de fato um homem incomum. Coerente. Vive modestamente, de acordo com suas ideias. Há nele uma ausência de vaidades materiais que chega a ser comovente. Se morasse em Pelotas, e fosse professor de Universidade, jamais o veríamos, por exemplo, no Dunas Clube, à beira da piscina, tomando cerveja depois de disputar uma partida de tênis – em greve por salário ainda mais alto do que os que já receberia (R$ 20 mil, digamos), pensando em justiça social num país de esmagadora maioria pobre, com ganhos mensais médios de R$ 3 mil.

***

Na cerimônia, Mujica disse: “Sigo confiando em los hombres, a pesar que todos los dias me deconcertan”.

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Comentário em vídeo: Liberdade de expressão

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