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Brasil e mundo

“Essa notícia do leite condensado revela certa dose de ignorância”

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Por Eduardo Affonso |

Essa (falsa) polêmica com as latas de leite Moça revela certa dose de ignorância.

Fui a Cuba nos anos 80 e, além dos casarões em ruínas, dos automóveis-zumbis e dos mojitos sorvidos no fim da tarde, vendo o Caribe se esborrachar no Malecón, o que mais me impressionava eram as prateleiras vazias.

Armazéns, lojas, quiosques, biroscas, tudo tinha um ar desolador, pós apocalíptico. Simplesmente não havia produtos à venda.

O país atravessava o que os cubanos chamavam de “período especial”, uma espécie de arrocho do aperto do ajuste da contingência da escassez da penúria – provocado, claro, pelo embargo americano etc etc etc.

Cada família tinha uma caderneta de produtos racionados (a “libreta”). Nela estava consignada a cota que cabia a cada um naquele paraíso socialista. Algo como meio quilo de frango por mês, se frango houvesse. E não havia. Quando aparecia algum produto (qualquer que fosse), formavam-se filas enormes – porque ninguém sabia quando outro caminhão de banana, por exemplo, iria dar as caras por Havana.

Num dos mercados vazios encontrei a penúltima coisa que imaginaria encontrar (a última seria Coca Cola). Era leite condensado.

Latas e mais latas de leite condensado, caprichosamente espaçadas nas prateleiras.

Como assim, faltava tudo (sabonete, pasta de dente, papel higiênico) e tinha leite condensado? Não havia como lavar as mãos antes do almoço, não havia o que almoçar, não havia por que escovar os dentes depois do almoço ou motivo para limpar o traseiro após a inexistente digestão e excreção (ok, estou exagerando um pouco, mas era por aí) – e o pudim de leite moça estava garantido?

Num encontro clandestino com cubanos (isso eu conto outro dia), comentei sobre esse paradoxo. E todos ficaram me olhando com cara de tacho. Eles é que não entendiam o fato de eu não entender. Afinal, leite condensado servia para fazer… leite, não sobremesa.

Eu não sabia disso.

Eu sabia que leite em pó servia para fazer leite.

Que glândulas mamárias serviam para fazer leite.

Mas não imaginava que leite condensado também tivesse esses dons.

Pois o leite condensado tem esse nome porque é leite e está condensado. Devidamente diluído, vira leite expandido. – vulgo leite.

Achei um desperdício usar uma das sete maravilhas da natureza (as demais são a goiabada cascão, a água de coco, o pão de queijo e outras que não vêm ao caso agora) para fazer um reles leite, desses que se compra na garrafa, no saco ou na caixinha.

Quem já foi a Cuba entende que a utilidade do leite condensado vai muito além do café da manhã presidencial ou da sobremesa de domingo. Aquilo é alimento não perecível (ou quase imperecível), fácil de estocar. Alimento, não guloseima.

Por isso é comprado para uso das tropas, ou para populações carentes.

Outros itens das listinha de compras do Executivo podem ser motivo de chacota (refrigerante, chantili, amendoim torrado, vinho). Mas o leite condensado, não, senhores.

Quem já se embrenhou na selva ou visitou Cuba (as situações são bem similares) não embarca nessa polêmica.

Eduardo Affonso é colunista de O Globo e, a pedido nosso, autorizou o compartilhamento, aqui, de posts seus no facebook.

9 Comments

9 Comments

  1. Salomão

    22/02/21 at 10:32

    Servi no exercito em Santa Maria, por quase 5 anos, nossa ração nas manobras onde não havia cozinha sempre foi enlatado como feijoada, dobradinha ou catanho (pão com bife e ovo), e a sobremesa sempre foi uma fruta, guloseimas ou outra alimento traziamos de casa e tinha que ser coisa leve porque numa marcha no campo ou no mato, quanto menos peso na mochila melhor, numa missão tu não vai disperdiçar água.

  2. Fabião

    02/02/21 at 08:08

    A goma de mascar, cerca de 2 milhões de reais, é para grudar espelhinho na ponta da baioneta imitando o sargento do filme “O Resgate do Soldado Ryan”.

    • Alarico

      06/02/21 at 14:21

      Não, Fabião.
      A goma de mascar destina-se basicamente à FAB, à Brigada de Paraquedistas, ao Batalhão de Aviação do Exército e aos 6 Esquadrões de helicópteros de Marinha. Se você um dia tiver a oportunidade de voar longas horas em avião não pressurizado verá o quanto é “prazeroso” a gente quebrar os dentes com a tensão que isso desperta, se não tiver o que mascar durante o voo.

  3. carlos pires

    31/01/21 at 23:28

    no momento não existe um só soldado brasileiro que esteja em alguma selva e temos leite em pó em abundancia.

    • Alarico

      01/02/21 at 08:19

      Prezado Carlos Pires.
      Creio que estejas mal informado.
      Todos os Batalhões de Selva e os Pelotões de Fronteira estão mobiliados e funcionando normalmente. E o mesmo acontece com os navios, os faróis, as bases da Antártida e da Ilha de Páscoa, os quartéis em geral, as aeronaves, os submarinos e outras naus em cujos porões “paradisíacos” também se come uma sobremesa, QUANDO DÁ TEMPO. E além desses, também o bandejão das universidades, das escolas de formação e dos demais internatos eventualmente servem alguma doçura aos felizardos que lá comem.
      Ainda dá tempo de repensar o preconceito.

  4. Radamés Padilha

    30/01/21 at 07:47

    bom dia a todos; O Brasil tem outros problemas que a esquerda não vê!!! Tem gastos de leite condensado de 2019; escolas ;exercito ;hospitais consomem leite condensado !!! a midia amiga tem medo de quem é honesto !!! Bem lembrado sr. Eduardo affonso !! obrigado!!!

  5. MAITON SILVA SILVA

    29/01/21 at 14:52

    Por esses argumentos que gostaria de ler uma reportagem que apontasse os custos anteriores a gestão atual para vermos se realmente já se gastava esse valor, o que é meio duvíduso como dito acima não é um produto de cesta básica com a ideia de rendimento e nem a falta de leite no Brasil…

  6. Fortino Reyes

    28/01/21 at 18:50

    Tudo bem seu Eduardo Afonso, mas não precisa “mandar enfiar no rabo, né?

  7. Cleia vieira

    28/01/21 at 17:15

    Até parece que pobre recebe em uma cesta básica, leite condensado. Me poupe, ja chega a farra com o cartão corporativo.

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Brasil e mundo

UFPel entregou título de Dr. Honoris Causa a Mujica

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Discretamente, na sexta passada, a direção da UFPel viajou ao Uruguai para entregar a Pepe Mujica o título de Doutor Honoris Causa. A notícia foi divulgada ontem, terça, no site da Universidade.

Algumas frases dos dirigentes universitários presentes à homenagem, em tom juvenil:

“Pepe é um grande exemplo de pessoa que consegue lutar por direitos humanos, justiça social e democracia. Resistiu bravamente aos movimentos da ditadura e, como um jardineiro, sempre plantou a esperança, a luta e a vontade dessa luta em cada companheiro. Ele planta hoje a esperança para os nossos jovens”.

“Muito obrigada por ser quem é, muito obrigada por nos inspirar a defender a educação como uma forma mais poderosa de semear o futuro”.

“A visão humanista de Mujica ressoa profundamente com os ideais que nós da Universidade Federal aspiramos cultivar, nossa instituição sempre se pautou na crença de que a educação é a base para uma sociedade mais justa e igualitária, as bandeiras defendidas por Mujica colocam o bem-estar humano e a preservação do planeta acima do materialismo e do consumo desmedido e enlouquecedor, inspiram nossos esforços e reafirmam o nosso compromisso com a busca por dias melhores”.

***

Cmt meu: Mujica é de fato um homem incomum. Coerente. Vive modestamente, de acordo com suas ideias. Há nele uma ausência de vaidades materiais que chega a ser comovente. Se morasse em Pelotas, e fosse professor de Universidade, jamais o veríamos, por exemplo, no Dunas Clube, à beira da piscina, tomando cerveja depois de disputar uma partida de tênis – em greve por salário ainda mais alto do que os que já receberia (R$ 20 mil, digamos), pensando em justiça social num país de esmagadora maioria pobre, com ganhos mensais médios de R$ 3 mil.

***

Na cerimônia, Mujica disse: “Sigo confiando em los hombres, a pesar que todos los dias me deconcertan”.

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Comentário em vídeo: Liberdade de expressão

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